sábado, 4 de abril de 2009

A Importância do Estudo dos Pais da Igreja: Conceitos Introdutórios

A Importância do Estudo dos Pais da Igreja: Conceitos Introdutórios
(André Benoit, A Atualidade dos Pais da Igreja)
1. O apelo aos pais na história da igreja - (a) Na igreja primitiva - No século II, o nome “Pai” era concedido aos bispos em geral. Este titulo quando se encontra no plural demonstra ser aquelas autoridade peculiar em matéria de doutrina. Como Basílio pondera os resultados do que eles elaboravam através de reflexões, não eram deles, mas sim dos Pais da Igreja, especialmente nas controvérsias. O termo também é aplicado a outros bispos, que mesmo sendo em separado, eles são testemunhas reconhecidas em assuntos de doutrina. Vicente de Lérins define os pais como sendo aqueles a quem deveriam recorrer sobre questões novas, mostrando a importância deles na teologia da igreja. Um decreto atribuído ao papa Gelásio (início do séc. 6°) contém a primeira relação dos autores cristãos obrigatoriamente reconhecidos como Pais (De libris recipiendis et non recipiendis) e os que não eram. E justamente aí que se revelou o duplo estágio que se dedica ao pais (patrística); o primeiro diz respeito ao aspecto doutrinária e, em segundo estágio a história, chamado por Jerônimo depois de patrologia. (b) Na Idade Média – Neste período não temos nenhuma inovação, a idade média se limitou a usar o que já havia se estabelecido na Igreja antiga. Até o século 12 os doutores da Igreja antiga ainda eram citados constantemente. No século 14 passaram a usar livros contendo trechos escolhido dos Pais, chegando a utilizá-las de forma mecânica. A tradição Patrológica perpetuou, publicou-se livros sobre os Pais que na verdade era a repetição da obra de Jerônimo e de outros e isto não foi feito em grande coleções, o que aconteceu mais tarde. (c) Humanismo e Reforma - No século 16, o estudo dos Pais tomou novo impulso graças às influências combinadas do Humanismo e da Reforma. Com o Humanismo, surgiu a redescoberta da antigüidade clássica como fonte de toda cultura. Os estudos patrísticos beneficiaram-se desse interesse, já que os Pais também eram parte da antigüidade. Erasmo de Roterdã e os humanistas suscitaram toda uma onda de interesse pelos Pais, e estes foram publicados extensamente. A perspectiva dos humanistas era essencialmente histórica, o que levou ao crescimento da patrologia. A reforma por sua vez enfatizou os estudos patrísticos no plano teológico, e, no final do século 16 surgiu a necessidade de reunir coleções completas as obras dos diferentes Pais, de onde surge a biblioteca Bibliotheca Sanetorum Patrum (Paris, 8 vols., 1575). Os reformadores usaram um critério muito simples para dar autoridade aos pais da igreja e à história. Para eles, tanto a história da Igreja como os Pais deviam ser estudados à luz do critério da Palavra de Deus. Lutero e Calvino tinham em alta estima a igreja antiga, atribuíram grande importância ao período patrístico. Lutero demonstrou interesse pequeno pelos Pais. Critica com facilidade os antigos doutores, e particularmente as suas exegeses, porém, tem em alta estima o testemunho que alguns deles deram acerca da fé. Todavia, Calvino foi mais longe. Atribuiu importância maior ao período patrístico, sem abrir mão da afirmação a autoridade da escritura, único juiz e critério da verdade. Apela contra a igreja de Roma através dos Pais. E vai mais longe ainda. Seu ideal era voltar à Igreja dos Pais, a qual, apesar de alguns erros, se havia mantido fiel à Palavra de Deus. Para demonstrar, por exemplo, que a Ceia do Senhor deve ser celebrada todos os domingos, Calvino, após recorrer à Escritura, cita cânones antigos, decretos conciliares e passagens extraídas de Agostinho, Crisóstomo e Ambrósio. (Institutas, 4.17.45). Calvino usou a mesma argumentação ao tratar de outros problemas. (d) Após a Reforma – Com a controvérsia iniciada no começo do século 16, isto levou os historiadores protestantes a estudá-los com maior seriedade, diversos escritores como Flácio Ilírico (1520-1575), na segunda metade do século, que consagrou trabalhos de peso aos doutores da Igreja antiga. O interesse atribuído a eles limitou-se essencialmente ao conhecimento do passado da Igreja.
Os católicos iniciaram um trabalho magnífico de edição e publicação de textos. Por ser o século 19 um período considerado o da história, isto favoreceu os estudos da Patrística. Foi a época das grandes edições.
2. Os Pais da Igreja - definição – Até o momento a expressão “Pais da Igreja” foi empregada no seu sentido lato: os Pais como grandes teólogos da Igreja antiga. Vejamos três definições: a) Catolicismo Romano – São vistos como autoridades teológicas proveniente do passado cristão e testemunhas autorizadas da tradição eclesiástica; b) Historiadores – “È a parte da história da literatura cristã que trata dos autores da Antiguidade que escreveram sobre temas de teologia... Tanto escritores ortodoxos como heterodoxos...”; c) Moderna – Interprete ou exegeta. Entre outro temos Irineu de Lião (+c.200) é certamente o primeiro a acentuar a prova pela Escritura, a Extensio exScripturis, destacando-se como o primeiro grande representante do biblicismo. Em Clemente de Alexandria vemos a mesma coisa. Orígenes colocou a Escritura no centro das suas preocupações, pois a maior parte da sua vastíssima obra foi consagrada ao seu esclarecimento, por meio de comentários (sobre quase todos os livros da Bíblia), ou à sua pregação, mediante homilias. Atanásio demonstra isto em sua polemica com os pagãos. Cirilo de Jerusalém afirma: “Se do que eu te digo não encontras prova nas Escrituras, não deves crê-lo pelo simples fato de te ser dito...”. Em João Crisóstomo temos: “Que necessidade tendes de mestres? Tendes a Palavra de Deus. Onde podereis encontrar melhor ensino? .. A fonte de todos os males é a ignorância das Escrituras Ignorá-las é como marchar sem armas para o combate” (Homilia in Cal., 9, 1). Agostinho escreve as seguintes palavras características: “Pois em todas as passagens da Escritura, disposto em forma clara, encontra-se todo o conteúdo da fé e da moral, assim como, também, da esperança e da caridade, a que nos referimos no livro precedente” (De doctrina christiana, 11, 14). Assim, os próprios Pais reconheceram a autoridade da Escritura como norma da verdade e da doutrina.
3. O interesse dos Pais – A exegese remonta aos Pais da Igreja. Eles foram, na história da Igreja, os primeiros exegetas da Escritura. Querendo ou não existe entre nós e a Escritura uma dimensão histórica. Eles são de algum modo os primeiros marcos que nos unem à Bíblia e assinalam a continuidade de sua interpretação no correr dos primeiros séculos. Nem os reformadores contestaram isto. Contudo, Benoit nos lembra que os Pais jamais conseguirão fornecer-nos soluções prontas e definitivas.
4. A atualidade dos Pais - (a) Patrística e exegese – Costuma-se criticar muito os Pais da Igreja porque eles falavam de forma alegórica, e os críticos entendem ser exageradas. Mas existem aspectos positivos. Entre nós e os autores neotestamentários existe um período de quase vinte séculos. Os Pais, ao contrário, estavam muito mais próximos deles no tempo e, portanto, mais habilitados a captar o espírito próprio da Escritura. A exegese feita pelos Pais permite-nos compreender como e por que temos a possibilidade de empreender uma exegese cristológica do Antigo Testamento. Os primeiros cristãos não dispunham ainda do Novo Testamento. Fatos muito bem expressos no livro teologia-histórica. Possuíam somente as Escrituras judaicas herdadas do povo de Israel, que constituíam a única autoridade escrita à sua disposição. Era natural, portanto, que interpretassem o Antigo Testamento à luz da revelação cristã e buscassem nesses livros as respostas à indagação: como o Cristo, cumprimento das promessas feitas a Israel, está já presente em cada uma de suas páginas? Para eles Jesus Cristo era a chave que abre o Antigo Testamento. Os Pais da igreja nos advertem desta verdade fundamental, que Cristo é o objetivo próprio da Escritura e que é Ele e Ele somente quem possibilita uma leitura fiel da escritura. (b) Patrística e dogmática – As decisões de concílios como de Nicéia e de Calcedônia têm em primeiro lugar, uma atualidade de caráter negativo. Ao rejeitar as heresias da espoca, elas nos mostram as falsas vias de reflexão pelas quais não deveriam penetrar o pensamento teológico. A importância das decisões dogmáticas dos Pais tem caráter positivo. Elas descerram e delimitam os grandes mistérios da fé, isto é, a Trindade e a Encarnação, e apontam os problemas essenciais da fé cristã. (c) Patrística e liturgia - Os Pais também viveram a sua fé no culto e nos sacramentos. A sua época foi de considerável formação litúrgica, que resultou nas grandes liturgias orientais e ocidentais. A liturgia sempre repleta do conteúdo bíblico. (d) Outras questões - Um tópico relevante no estudo da patrística é a maneira como a Igreja dos Pais relacionou-se com a cultura do seu tempo. Os Pais, sendo arautos do evangelho, tiveram de expressá-lo dentro dos quadros de referência da cultura helênica ou greco-romana. Para isso, apropriaram-se dos elementos utilizáveis dessa cultura e deixaram de lado o que não tinha valor. A igreja primitiva defrontou-se igualmente com os problemas das heresias em suas múltiplas manifestações. Nesse sentido buscar os Pais da Igreja conhecer suas reações face aos desvios da fé, pode ser de grande valia na busca de soluções.
No que diz respeito à interpretação bíblica, os pais da igreja tiveram dois métodos como prediletos: a) Exegese alegórica – Trata o texto sagrado como mero símbolo ou alegoria, de verdades espirituais; b) Exegese Tipológica – Técnica que visava evidenciar a correspondência entre os dois fundamentos, tendo como principio norteador a idéia de que os eventos e personagens eram “tipos”. Por fim temos as escolas de interpretações que se levantaram: a) Alexandria – Os teólogos alexandrinos que seguiram Clemente e Orígenes, desde Dionísio até Cirilo, foram em maior ou menor grau afetados por esse alegorismo; b) Antioquia – Essa escola estava unida na convicção de que a alegoria era um instrumento inseguro, na verdade ilegítimo para interpretar a Escritura.
CONCLUSÃO:
Fica mais uma vez evidenciado a importância do estudo dos Pais da Igreja. Exegese, é uma denominação que se confere à interpretação das Sagradas Escrituras desde o século II da Era Cristã. Alegórica ou tipológica fica aqui o fato de que os Pais foram de fundamental importância combatendo as heresias da época, bem como preservando a teologia bíblica.

AUTOR - ABDIEL BIBIANO NEVES

Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja

Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja
Christopher Hall

Autor - Abdiel Bibiano Neves

“POR QUE LER OS PAIS DA IGREJA?”
O capitulo um inicia com uma lista bem generosa de nomes de Pais da Igreja. Talvez lembranças da antiga civilização ocidental ou de um curso de história da igreja venham à mente. Entretanto, o passar do tempo ofuscou nossa memória ou arrefeceu nosso entusiasmo pelas personalidades e pelo mundo da igreja primitiva. Talvez nossa reminiscência do passado nos desestimule a tentar compreender um texto de um pai da igreja. Para outros, os pais da igreja representam um vasto território desconhecido, inexplorado. PODEM OS PAIS SER CONFIÁVEIS? Podemos confiar nos pais? Teríamos que nos perguntar: Os pais nos desencaminhariam? Leram eles bem a Bíblia? Ou seu próprio preconceito cultural e religioso impediu-os de compreender claramente a essência do evangelho? Para muitos cristãos protestantes, há uma profunda suspeita de que os abusos do catolicismo romano medieval tiveram suas sementes nos pensamentos dos próprios pais. O próprio Martinho Lutero questionou. Talvez seremos mais fiéis a Lutero se examinarmos cuidadosamente sua própria metodologia na leitura da Bíblia com os pais. SOLA SCRIPTURA? Muitos vêem a história da igreja dos séculos segundo ao décimo sexto como uma sucessão de erros. Para muitos protestantes, grande parte da história da igreja permanece um território devastado e improdutivo, um deserto de erros fortemente caracterizados pela ausência da direção e discernimento do Espírito Santo. Para muitos evangélicos, somente com a chegada dos reformadores Lutero, Calvino, Melanchton, Zuinglio, e Simons temos uma compreensão clara, autêntica e biblicamente enraizada do evangelho foi resgatada e revitalizada. Muitos vêem a história da igreja dos séculos segundo ao décimo sexto como uma sucessão de erros. Para muitos protestantes, grande parte da história da igreja permanece um território devastado e improdutivo, um deserto de erros fortemente caracterizados pela ausência da direção e discernimento do Espírito Santo. O ideal do intérprete autônomo pode mais facilmente ser colocado nas pegadas do iluminismo do que na Reforma. A pessoa descobre a verdade unicamente ao separar-se por ato intencional do objeto do conhecimento. Para Tracy, O teólogo cristão tradicional de qualquer tradição pregava e praticava uma moralidade da crença e obediência à tradição e uma lealdade fundamental às crenças da igreja-comunidade. UMA LONGA VIAGEM AO LAR. Thomas Oden, editor da série Ancient Christian Commentary on Scripture (Comentário dos Primeiros Cristãos sobre as Escrituras), escreveu amplamente sobre a tendência de as pessoas modernas subestimarem as contribuições do passado e exagerarem a sabedoria do presente. Thomas Oden cresceu em uma família profundamente enraizada na tradição pietista e nos ideais políticos do Partido Democrático. As categorias existencialistas de Bultmann restauraram a relevância da Bíblia para Oden. O desafio de criar e inovar substituiu a sua apreciação e apropriação da própria tradição e auto-compreensão da igreja. Ouvir de tal maneira que pudesse ver telescopicamente além de minha miopia moderna, para romper os muros da minha prisão moderna e, na realidade, ouvir vozes do passado com suposições inteiramente diferentes acerca do mundo, do tempo e da cultura humana.
“A MENTE MODERNA E A INTERPRETAÇÃO BÍBLICA”.
Inicia o capitulo 02 falando de um expressivo artigo de Willian J. Abraham que descreve e analisa algumas características da cosmovisão moderna. a) Racionalidade iluminista – que leva a uma rejeição da possibilidade de uma revelação divina especial e da crença em milagres. Para ele, o impacto do iluminismo deixou sua marca quando muitos evangélicos trataram a Bíblia como um texto científico. O resultado é uma teologia que se parece suspeitosamente com uma reedição e expansão da política e da ética do iluminismo. Diante deste grave problema, desta visão distorcida, Abraham recomenda restabelecer e manter saúde teológica no mundo moderno focalizem nas questões da formação do caráter. E para começar Abraham recomenda o cultivo da Humildade. Ele afirma que os teólogos têm sido tentados, por sua própria arrogância, a pensar que podem alcançar mais do que é razoável ou humildemente possível. Ainda argumenta que o que os intérpretes pós-modernos precisam hoje é de humildade. A teologia pós moderna demonstra repetidas vezes que é incapaz de captar ondas sensoras divinas além daquelas que ressoam a partir da revelação. Em reação e resposta à elevação da razão autônoma pelo iluminismo, a hermenêutica pós-moderna insiste que é impossível separar a interpretação de um texto do gênero, cultura, linguagem e posição social do interprete. Em vários sentidos, a perspectiva pós-moderna á uma correção útil para o exagerado individualismo do iluminismo. Fala de sua cultura estados unidense, e fala da influencia dos ideais do iluminismo sobre ela em todos os sentidos. Convidanos a ler a bíblia com os olhos dos cristãos de um tempo e lugar diferentes e que isto revela prontamente o efeito deofmador de nossas próprias lentes culturais, histórias, lingüísticas, filosóficas e, sim, até mesmo teológicas. Hall não sugere que os pais tinham o mesmo pensamento acerca de determinado assunto, ou que eles estavam corretos em todas as suas interpretações, porém eles devem ser ouvidos. Hall nos mostra que, na visão dos pais da igreja, a vida acadêmica não era separada da vida espiritual. Ele diz que nem mesmo Atanásio nem Gregório visualizavam a exegese ou a teologia como uma atividade acadêmica ou estudos bíblicos ou teológicos separados da vida da Igreja ou da formação espiritual pessoal. Não há problemas em se estudar a bíblia, todavia, a Escritura deve ser estudada, ponderada, mas submetida à exegese. Para eles, a piedade é uma condição para o entendimento de como e por que os pais empreendem a tarefa da exegese.
“DANDO SENTIDO À EXEGESE BÍBLICA”
No capitulo 08, Christopher trata do tema: “Dando sentido à exegese bíblica”, chamando o leitor para escutar os Pais atentamente enquanto aceitando de forma não crítica tudo que eles dizem. Faz-nos refletir, questionando-nos sobre as pessoas importantes que nos moldam significativamente a nossa leitura? Apesar da influencia dos reformadores, precisamos da influencia dos Pais da Igreja. C.S. Lewis compartilha de ele não culpar seus estudantes de procurarem literatura secundária. Ele não deseja deificar o passado, mas reconhece os talentos desses escritos. É necessário ler cuidadosamente os Pais da Igreja. Antes de encerrar quero relembra como os Pais liam o Antigo Testamento, eles davam os seguintes passos: a) buscavam o contexto original; b) Seções do A. T. escritas posteriormente foram reinterpretados e viram no texto relevância escatológica; c) A interpretação judaica dentro do tempo de Jesus estende o texto em direção a um sentido messiânico; d) O próprio Jesus pode ter associado o texto à sua pessoa e obra; e) O Texto então é relido no conhecimento da ressurreição; f)Em seguida, a igreja lê o texto como uma explicação adicional ou ilustração; g) Se houver necessidade de usar o texto apologeticamente, ela o fará; h) O texto será lido em relação a ela e à comunidade. E finalmente, os exegetas conduziam sua obra na igreja para a igreja, uma idéia estranha a muitos estudiosos de nossos dias. Diferente de muitos cristãos pós-modernos, os pais não têm pressa.
CONCLUSÃO:
Somos convidados a ler a escritura com os Pais. Não para negligenciar as riquezas exegéticas que temos, nem para denegrir os recursos que muitas interpretações bíblicas modernas proporcionam. Ler os pais da igreja é oportuno para o cristão de hoje, porque há uma tendência de ver a forma humilde e piedosa que os Pais tratavam todas as coisas, em especial a Escritura Sagrada.

INTRODUÇÃO AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

INTRODUÇÃO AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Trabalho: Diferenciar Ciências da Religião e Teologia sob o prisma da Teologia Reformada.

INTRODUÇÃO:
1.0. DEFININDO CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
O homem desde os seus primórdios efetiva rituais para manter uma comunicação com o que ele chama de "sagrado". É no sentido de compreender esta "comunicação", os fenômenos que a religião introduz no seio da sociedade e a relação homem x sagrado que ciências e filosofias como a sociologia, antropologia, psicologia, teologia e outras utilizam de seus cabedais teóricos para cientificamente os analisarem.
Ciência da Religião é a área de investigação sistemática que tem como base uma estrutura multidisciplinar formada a partir do enfoque ao fenômeno religioso, em aspectos gerais, por várias Ciências, como: a Antropologia, a Filosofia, a História, a Psicologia,a Fenomenologia da Religião, a Sociologia e a Teologia, entre outras.
Ciência da Religião é a disciplina empírica que investiga sistematicamente religião em todas as suas manifestações. Um elemento chave é o compromisso de seus representantes com o ideal da neutralidade frente aos objetos de estudo. Não se questiona a “verdade” ou a “qualidade” de uma religião. Do ponto de vista metodológico, religiões são “sistemas de sentido formalmente idênticos”. É especificamente este princípio metateórico que distingue a Ciência da Religião da Teologia. Desta forma, as ciências da religião são na verdade um conjunto formado por várias outras com o intuito de estudarem a religião e suas conseqüências na mentalidade humana.
Quanto à ciência da religião é ela um tipo de estudo em que se absorvem vários métodos das ciências que estudam a religião aglutinando-as num único trabalho.

2.0. OBJETIVO DAS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
O objetivo da Ciência da Religião é fazer um inventário, o mais abrangente possível, de fatos reais do mundo religioso, um entendimento histórico do surgimento e desenvolvimento de religiões particulares, uma identificação e seus contatos mútuos, e a investigação de suas inter-relações com outras áreas da vida. A partir de um estudo de fenômenos religiosos concretos, o material é exposto a uma análise comparada. Isso leva a um entendimento das semelhanças e diferenças de religiões singulares a respeito de suas formas, conteúdos e práticas. O reconhecimento de traços comuns do cientista da religião, permite uma dedução de elementos que caracterizam religião em geral, ou seja como um fenômeno antropológico universal.
A Ciência da Religião tem uma estrutura multidisciplinar. Trata-se de um campo de intersecção de várias sub-ciências e ciências auxiliares. A História da Religião, a Sociologia da Religião e a Psicologia da Religião são as mais referidas.

3.0. CIÊNCIA DA RELIGIÃO, CIÊNCIAS DA RELIGIÃO, CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES?
Ao escrever o artigo “Ciências da Religião: de que mesmo estamos falando?” para a revista de Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o professor Antônio Gouvêa Mendonça explica esta diferença afirmando que Independentemente do nome que se dê a essa área de conhecimento, seja Ciência da Religião, Ciência das Religiões ou Ciências da Religião, o primeiro problema que se coloca é este: qual é seu objeto? O que se estuda mesmo sob esse ou aquele título?
No Brasil, o problema se torna mais agudo por causa da pressão cultural da Teologia, essa entendida, antes, como formadora profissionalizante de agentes religiosos e, depois, como ciência normativa. Sendo assim, e por não se discutir o objeto, uma área de estudos que não forme profissionais e nem ao menos produza e reproduza normas de conduta, é desnecessária e mesmo perigosa, porque, eliminadas tanto uma coisa como outra, abre as portas para a reflexão e, conseqüentemente, para a crítica.
Em uma entrevista à Revista de Estudos da Religião diz Edênio Valle da PUC de São Paulo, se digo “ciência”, afirmo que realmente as ciências têm um aparato teórico, metodológico e uma epistemologia comum [...]. Então, é voluntarista falar em “ciência”. Agora, minha dúvida vem mais da palavra “religião”, porque na realidade há um mosaico de religiões e, com a modernidade, com a crise da modernidade, aumenta o número de religiões, tanto que cada indivíduo, cada grupo está criando sua religião – fica difícil falar em “religião”. Mas, ao mesmo tempo, num olhar mais filosófico e teológico, também é possível falar na coisa fundante mais ou menos comum. Por isso, penso que ainda é melhor manter “Ciências da Religião”. Agora, o estudo científico não se faz sobre religião, esse é um universal abstrato, se faz sobre religiões. Então, há razão para falar em Ciências das Religiões.

4.0. O OBJETO DE ESTUDO DAS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO E DA TEOLOGIA.
Não tratam as Ciências da Religião e a Teologia do mesmo objeto, que é Deus? A resposta é não. Essa é a grande questão, causadora de mal-entendidos, receios e resistências. Tenta esclarecer esse ponto essencial O professor Antonio Gouvêa, ainda que não vá aqui a pretensão de dar um ponto final à questão. Apesar da longa tradição de estudos de religião que a Europa possui, ainda hoje lá se discute a relação entre Teologia e Ciências da Religião, às vezes ainda com paixão.
O objeto da Teologia e das Ciências da Religião não é o mesmo. O objeto da Teologia é, portanto, Deus. A Teologia é uma ciência de Deus. A tradição que nos veio trouxe consigo uma Teologia metafísica e, por conseqüência, dedutiva a partir dos grandes princípios da revelação escrita e mesma da natureza, embora às vezes esta seja considerada uma revelação secundária. Em resumo, a Teologia, seja ela dedutiva (metafísica) ou indutiva (empírica), é uma ciência de Deus. Seu objeto é Deus. O conceito de ciência aplicado à Teologia não é consensual, ao menos no sentido comum de ciência.
Qual é o objeto das Ciências da Religião? As Ciências da Religião estudam não Deus, mas suas formas de expressão, em resumo, nas pessoas e na cultura. Nesse ponto, Ciências da Religião se distinguem da Teologia, porque não cogitam de questões a respeito de Deus, como sua existência e natureza. Estudam efeitos e não causa.
Até a época moderna, a teologia apresentava-se como a única autoridade e fonte de normatividade em assuntos de religião. Essa pretensão foi colocada em xeque, primeiro pela filosofia iluminista, depois pelas ciências sociais, que recorreram ao famoso “princípio de exclusão da transcendência”, ou princípio de ateísmo metodológico. Contudo, para que a teologia seja assumida como um dos campos de conhecimento das ciências da religião, ela deve repensar o seu lado normativo. Fica claro que ela não pode mais instrumentalizar estudos de religião para “provar” a superioridade da fé cristã, e que ela deve renunciar a justificar e tornar plausível, racionalmente, uma revelação religiosa, a fortiori uma igreja como mediadora necessária da salvação. Uma das suas tarefas é a crítica dos sistemas interpretativos da religião – os sistemas teológicos -, enquanto hermenêutica da sua dimensão radical de sentido. Isso significa que o horizonte do trabalho teológico não é a Igreja como espaço próprio, mas o mundo de todos. O seu objeto é a realidade antropológica e social de todos. Os seus métodos de aproximação do objeto participam de uma racionalidade e desenvolvem uma argumentação de pertinência pública (voltadas para a opinião pública em geral e a comunidade acadêmica em particular), em interação com outras abordagens do mesmo objeto, como as ciências empírico-hermenêuticas e a filosofia da religião. O seu trabalho, centrado na significação social e cultural da religião, inscreve-se, em toda a sua extensão, na ordem ampla do humano e de suas produções sócio-culturais, as quais deverão sempre ser apreendidas em função de genealogias históricas.
O objeto da teologia como ciência hermenêutica só pode ser a religião no sentido amplo da palavra, que inclui sempre como pressuposto (ou pré-compreensão) uma posição de fé indispensável para a compreensão do que é “dado”. A teologia encontra o seu ponto de partida, não nos dogmas oficiais e tampouco num modelo teológico normativo confessional, mas na experiência humana concreta, postulando a presença de uma dimensão religiosa em toda experiência autêntica. Apresenta-se como uma hermenêutica da dimensão radical de sentido ou da dimensão religiosa das culturas (incluindo a esfera especificamente religiosa das mesmas). Ela não investiga o fenômeno religioso a partir de fora, mas desenvolve um esforço de auto-compreensão no interior da vida de fé. Enquanto visa uma compreensão sistematizante capaz de aprofundar-se a partir de recursos metodológicos próprios, merece ser considerada como “ciência”. Com Paul Tillich e Juan Luis Segundo, entendemos a “fé” como estrutura e dimensão antropológica parcialmente acessível a uma intuição e uma sistematização “racionais”. Ela inclui uma dimensão pré-racional, do ponto de vista da racionalidade empírico-formal, mas não pode ser de modo algum qualificada de “irracional”. Mesmo subsistindo um elemento irredutível à análise, este não deixa de ser accessível a uma certa forma de intuição. A experiência religiosa pode ser racionalmente elaborada com o auxílio da fenomenologia, da filosofia e das ciências humanas; atravessando sucessivamente uma série de níveis de análise, até identificar o “componente essencial e irredutível da fé religiosa”, que ainda pode ser reconhecido pela razão como transcendendo – sem negá-lo – seu próprio domínio (é o método adotado por Kant na “Religião dentro dos limites da simples razão”). A razão mostra-se capaz, com seus próprios recursos, da intuição de um “além da razão” que parte dela e a ultrapassa sem contradizê-la. Podemos discernir esse momento de autotranscendência da razão,como momento que pode ser chamado de ultra-racional ou trans-racional, não de irracional. Aliás, o reconhecimento da autotranscendência da razão não prejudica de modo algum a possibilidade e obrigação para a teologia de submeter os momentos ou níveis preliminares, que constituem o entorno da dimensão irredutível da experiência religiosa, à crítica racional que lhes corresponde. Pertenceria a essa crítica – num certo sentido, “normativa” – a denúncia das perversões desumanas do religioso, de sua ambivalência congênita, das manipulações ideológicas e das legitimações sacralizantes de poderes opressores e de comportamentos anti-éticos que ele autoriza ou até incentiva. A teologia cumprirá essa tarefa, muitas vezes já assumida pela filosofia e pelas ciências sociais críticas, a seu modo e na sua linguagem própria. Os juízos de valor emitidos sobre o religioso concreto deverão partir da experiência humana concreta e das valorações que derivam dessa experiência, como os princípios éticos.
5.0. REVOLUÇÃO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS
Em seu livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Max Weber atribuiu conseqüências históricas mundiais a esta reviravolta nos conhecimentos. Inaugurando um dos maiores debates intelectuais das Ciências Sociais, afirmou que o capitalismo industrial moderno não poderia ter surgido sem o ascetismo espiritual, que contribuiu para formação da personalidade da classe média empresarial. Nessas camadas o trabalho vocacional sistemático foi religiosamente consagrado — o sucesso no trabalho era interpretado como indicação de que o indivíduo passara a fazer parte daqueles predestinados pela determinação inescrutável de um Deus misterioso. Desta forma, os temores religiosos, pela própria salvação foram mobilizados para autodisciplina consciente do homem profissional. Este se propõe a dirigir o mundo que ele ao mesmo tempo rejeita, com o objetivo de cooperar na criação do Reino que há de vir.
O esquema de Weber para o surgimento do capitalismo entre a burguesia racional pode ser assim resumindo em detalhes:
As doutrinas religiosas de Lutero, e principalmente as de Calvino, definiram, sob outra forma, a relação do cristão com seu trabalho diário. Tanto na língua inglesa, como na alemã — e nestas somente nas traduções protestantes da Bíblia — o termo chamado Calling, ou Beruf refere-se tanto na à ocupação profissional, como ao destino religioso. Segundo a doutrina calvinista da predestinação, cada homem será salvo ou condenado pelo julgamento inescrutável de um senhor inflexível. Esta doutrina lança grandes ansiedades sobre o crente piedoso, que teme estar entre os condenados. E o que é mais grave, essas ansiedades não serão mitigadas pelo isolamento de uma vida monástica, nem por uma conduta religiosa exemplar, como a dos santos medievais. Estas vias foram bloqueadas pela teoria de que Deus colocou o homem no mundo de sua criação, junto a doutrina de que o Senhor já escolheu ou condenou todos os homens. Portanto, as obras piedosas, como donativos a igrejas, orações freqüentes e peregrinações, tornaram-se tentativas sem sentido e inúteis para modificar a vontade impenetrável de Deus. Existe, de fato, somente um caminho para se obter os sinais do estado de graça, como um presságio da eleição divina: a adesão metódica ao código de conduta agradável a Deus seja qual for a condição em que se encontra o fiel.
Weber denominou este código de conduta, na forma em que surgiu historicamente através de seitas puritanas, de espiritual ou ascetismo temporal, isto é, a renuncia ao gozo dos prazeres mundanos dentro do próprio mundo. O puritano procura realizar uma vida quase monástica sem, no entanto, tornar-se um monge, proclamando as normas desse ascetismo para, assim, conquistar o mundo, em lugar de abandoná-lo. A realização deste intento requer uma auto-observação metódica e sistemática, e uma disciplina constante. A repressão dos impulsos da desobediência ao código religioso servia aos puritanos piedosos como uma indicação de sua condição de eleito aos olhos de Deus. No entanto, o código religioso, negando indulgência com relação às alegrias proporcionadas por festas e bailes, pela satisfação sexual e até pelo sono ( o ideal de um longo dia de trabalho) deixava aos puritanos a concentração no trabalho como sua melhor técnica ascética. O homem piedoso deve renovar sempre seus esforços, pois não existe para ele qualquer garantia ou segurança de seu destino. Em face de uma possível condenação, quaisquer esforços e tribulações neste vale de lágrimas serão menos pesados. Deste modo, a culpa estimula-o a intensificar o seu trabalho: o homem profissional é, então, aquele que agrada a Deus.
A ética religiosa do puritano o impede de investir os frutos de seu trabalho no consumo de ostentações, como cavalos e carruagens, mansões e propriedades feudais; mas por outro lado, ele acredita que aquele que não trabalha, também não deve comer. Por esta razão, despreza a prática de esmolas aos pobres, vagabundos e similares defendida pelo Catolicismo. As entidades filantrópicas dos puritanos em favor dos órfãos, mendigos vagabundos e dos velhos, consistem em instituições que abrigam essas pessoas, de forma organizada. Existe apenas um meio pelo qual o puritano pode usar a sua riqueza acumulada: investi-la e reinvesti-la em empresas produtivas, pois isto permite a extensão das oportunidades de salvação a muitos outros pobres. O negociante puritano salva, desta forma as almas dos pobres, usando-os como sua mão de obras e eles, por sua vez, adquirem uma nova disciplina de trabalho, tornando-se confrades de seu empregador. Com vistas a salvação, eles renunciam a inúmeras festividades alegres, representações de peças teatrais, em dia que eram feriados para os trabalhadores católicos da Idade Média. Deste modo, o puritano torna-se um trabalhador incansável, assegurando seu estado de predestinado e, como um homem santificado, conquistando o respeito de seus companheiros de crença, quanto mais se expandem os seus negócios.
A análise de Weber revela o impacto que um credo exerce sobre a formação de um tipo de caráter. A insegurança motivada pela religião, suas fugas, também determinadas por ela, estabelecem recompensas para atitudes e traços psíquicos específicos, como a poupança, o trabalho árduo, o controle de conversas ociosas, a humildade, o contínuo autocontrole a objetividade. Esta estrutura de caráter, por sua vez, torna-se economicamente importante pelo fato de garantir as vantagens da competição sobre os agentes econômicos tradicionais e menos frugais.

6.0. DIFERENÇA ENTRE OS TEÓLOGOS DOS CIENTISTAS DA RELIGIÃO
Os teólogos são especialistas religiosos. Os cientistas da religião são especialistas em religião. Essa diferença diz respeito a pontos essenciais:
6.1. Enquanto os teólogos investigam a religião à qual pertencem, os cientistas da religião geralmente se ocupam de outra que não a sua própria. A tarefa do teólogo é proteger e enriquecer sua tradição religiosa. É sua religião que está no centro do seu interesse. A sede de saber teológico diminui à medida que se afasta desse centro. Os teólogos alemães, por exemplo, concentram-se na religião majoritária dos seus conterrâneos. Apenas poucos pesquisadores ocupam-se das religiões dos letões, escoceses ou sicilianos. Cristãos em Maláui, Luzon’ ou nas Ilhas Cook talvez sejam do interesse de uma ou outra academia alemã onde são formados missionários.
Os cientistas da religião não prestam um serviço institucional como os teólogos. Não são comandados por nenhum bispo, nem obrigados a dar satisfação a nenhuma instância superior. São autônomos quanto ao seu trabalho. Geralmente, seu campo de pesquisa está no exterior, longe da sua pátria, e não atinge interesses dos amigos ou da própria família. Todavia, os cientistas da religião também têm seus focos temáticos — portanto, quanto mais um assunto deles se afasta, menos acentuado é seu interesse acadêmico. Especialistas alemães em hinduísmo se voltam para a Índia. Poucos vão além e estudam a diáspora dos hindus na África do Sul, nas Ilhas Fiji ou em outras partes do mundo. Temas ainda mais periféricos nesse universo, como, por exemplo, os hindus não indianos na Ilha de Bali, são abordados por cientistas especificamente interessados por essa região, e não pela Índia.
6.2. Os cientistas da religião optam pela pesquisa de uma determinada religião. Pode ser qualquer uma — potencialmente, a escolha é ilimitada em termos históricos, geográficos ou tipológicos. Há apenas um critério que reduz o espectro dos seus possíveis objetos de estudo: a própria incompetência. Quem não compreende a língua dos adeptos de uma religião, não suporta o clima da região onde ela se encontra ou pensa que a fé em questão não tem valor deveria optar pela pesquisa de um outro objeto. Os teólogos não têm essa liberdade, uma vez que apenas se ocupam de uma religião alheia quando existe a necessidade de urna comparação com a sua própria. Todavia, quando isso acontece, são obrigados a estudá-la. Especialistas no Antigo ou Novo Testamento precisam explicar textos bíblicos em que outras religiões são mencionadas. Historiadores da Igreja devem explicar eventos em que também religiões não cristãs tomaram parte. Teólogos sistemáticos e práticos têm de explicar conteúdos não cristãos quando há seguidores de outras religiões vivendo entre eles, quando um elemento religioso alienígena está na moda ou, então, quando representantes de outra fé catequizam cristãos com sucesso.
6.3. Quando os teólogos estudam uma religião alheia, partem da própria fé. Ao investigarem como os outros concebem seu deus, crença ou pecado, tomam a própria religião como referência. De acordo com seus critérios, avaliam os demais sistemas como “mais próximos” ou “mais distantes” de sua própria religião, ou, até mesmo, enquadram-nos em julgamentos que determinam categorias do tipo “o objeto traz algumas características religiosas” ou “apenas magia”. Todavia, se algo é natural e indubitavelmente visto como semelhante, criam facilmente pontes entre a própria religião e a outra. Procedimentos desse tipo geralmente não possibilitam um encontro com o outro, ou seja, não chegam a um verdadeiro conhecimento de outra fé. Em outras palavras: são estritos demais para aprofundar a relação com o objeto de estudo.
Não é oportuno para os cientistas da religião avaliar outra fé com base na própria. Eles têm a liberdade de pesquisar uma crença alheia sem preconceitos. A questão é apenas saber o quanto dessa liberdade eles suportam. É mais fácil descobrir algo quando se sabe com antecedência o que procurar; por conta disso, há cientistas da religião que têm por costume apropriar-se de critérios já estabelecidos para classificar elementos ou universos como “animismo”, “magia” ou “politeísmo”. Isso significa que não apenas preconceitos religiosos, mas também atitudes intelectuais podem distorcer a compreensão de fenômenos pesquisados no âmbito da Ciência da Religião.
6.4. Os fiéis de uma determinada crença é que vão informar se entendemos adequadamente uma fé alheia. Consultar adeptos de uma religião pesquisada é um teste de segurança que permite diferenciar descrições válidas e não válidas do ponto de vista da história da religião. Os teólogos têm meios próprios para distinguir o que é “verdadeiro” e o que é “falso” na área da religião. Para eles, a própria fé — e não a de outras pessoas — é a norma decisiva, uma vez que apenas ela é considerada verdadeira em oposição às outras, que são avaliadas como falsas.
7.0. CALVINISMO INTEGRAL: UMA VISÃO COMPLETA DA VIDA E DO MUNDO
Para o pensador calvinista, tudo na vida é religião. O calvinismo é uma biocosmovisão completa que envolve todos os aspectos da vida e todas as áreas do conhecimento humano. O calvinista não pode se satisfazer apenas com uma teologia reformada; ele busca uma filosofia igualmente reformada, uma ciência, uma arte, uma cultura, uma política reformada. Todas as áreas da ciência podem e devem ser exploradas a partir de pressupostos cristãos reformados, através da examinação pressuposicional (dos fundamentos teóricos) e estrutural segundo o motivo bíblico elementar da criação-queda redenção(18) (da sua ordem criada, das disfunções resultantes do pecado, e da retauração pós-lapsariana em Cristo).(19) Como dizia Van Til: “Não há um centímetro quadrado da vida da qual Cristo não diga ‘é meu’”(20) (Mt 28.18). Deus é absolutamente soberano sobre toda a criação bem como sobre todos os aspectos da realidade e todas as esferas da vida humana. A soberania absoluta de Deus (SI 139; Is 46.9-10; Ef 1.3-14) é o conceito central e fundamental do pensamento reformado.
O conceito de religião representa, na filosofia calvinista, não a noção popular de religiosidade, mas sim o verdadeiro sentido da palavra, isto é, a religação do indivíduo com o seu Criador. Ora, só há um caminho para a redenção e a reconciliação com Deus: a fé em Jesus Cristo. Para o pensador reformado, portanto, a religiosidade é uma função do ser humano, e todos os seres humanos são essencialmente religiosos, uma vez que todos os homens se posicionam em submissão ou em rebeldia contra Deus, respondendo positiva ou negativamente à salvação em Cristo oferecida pela graça divina, segundo a soberania do próprio Deus. O pensamento humano é controlado e guiado por princípios fundamentais que refletem uma atitude religiosa básica. Esta é, na verdade, uma noção básica da teologia do pacto: nós somos criaturas religiosas. Nós fomos criados para conhecer a Deus e ter comunhão com ele. Nós temos que depender de Deus. Quando não o fazemos, não é que deixamos de ser religiosos, mas sim que desviamos nossa fé em direção de algum Outro objeto, e tornamo-nos idólatras, infiéis para com Deus, adorando a criatura em lugar do Criador (Rm 1.25). O “coração” humano se dirige a Deus ou se afasta dele em rebeldia (Rm 3.10; 8.7-8; Ef 2.3). Ele é o centro da existência humana e do relacionamento com Deus. Do coração do homem procedem as fontes da vida (Pv 4.23), isto é, tudo na vida depende e é também resultado deste posicionamento religioso do coração em submissão ou em rebeldia contra Deus.






BIBLIOGRAFIA:

GOUVÊA, Ricardo Quadros. “Calvinistas Também Pensam: Uma Introdução à Filosofia Reformada”. Fides Reformata (Revista do Seminário José Manoel da Conceição). Volume 1. 1996. pp. 48 a 59.
MENDONÇA, Antônio Gouvêa. Ciências da Religião: de que mesmo estamos falando? Revista Ciências da Religião: História e Sociedade (Universidade Presbiteriana Mackenzie) – Ano 2. Nº 02. 2004, pp. 17 a 34.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Editora Martin Claret, 2006.
GRESHAT, Hans-Junger. O Que é Ciência da Religião?. São Paulo: Paulinas, 1998.
- Acessado no dia 26/11/08
Acessado no dia 23/11.08
- Acessado no dia 23/11/08

HISTÓRIA DA FILOSOFIA I

HISTÓRIA DA FILOSOFIA I
QUESTIONÁRIO

1. QUE SIGNIFICA MAIÊUTICA SOCRÁTICA?
R. Maiêutica. Confrontado com as limitações das suas definições, o interlocutor, acaba por reconhecer as limitações do seu próprio saber. É então convidado a reformular a resposta anterior, dando uma definição mais ampla, na direção da universalidade.
Para Sócrates, a alma só pode alcançar a verdade "se dela estiver grávida". Com efeito, ele se professava ignorante, e, portanto, negava firmemente estar em condições de transmitir saber aos outros ou, pelo menos, saber constituído por determinados conteúdos. Mas, da mesma forma que a mulher está grávida no corpo, tem necessidade da parteira para dar à luz, também o discípulo que tem a alma grávida de verdade tem necessidade de uma espécie de arte obstétrica espiritual que ajude essa verdade a vir à luz – e nisso consiste a "maiêutica" socrática.
O objetivo de Sócrates era ajudar seus discípulos a conceberem suas próprias idéias, auxiliando o interlocutor a encontrar a resposta, por meio de um trabalho de reflexão, uma vez que o verdadeiro entendimento deve vir do interior.
2. QUAIS OS CONCEITOS CENTRAIS DO PENSAMENTO DE PLATÃO QUE ELE APRESENTA NO MITO DA CAVERNA?
R. Na alegoria do Mito da Caverna temos os seguintes conceitos do pensamento de Platão.
a) Assim como os homens que estavam enclausurados na caverna, sem poderem se movimentar, somente com uma forte luz atrás de si, vendo as sombras que refletiam na parede da caverna, a sociedade estava e está de muitas formas na escuridão, no que se refere ao saber científico. Para que o homem que foi libertado da escuridão se ambientasse com a luz levou tempo, e teve de ser aos poucos. Assim, para que possamos sair da escuridão para encontrar a luz do saber científico, temos que nos esforçar, nos ambientar aos poucos com esse saber, que à primeira vista é ofuscante e confunde nossas idéias, mas ao longo do tempo vamos nos acostumando e percebendo que o pensamento que tínhamos anteriormente era completamente limitado. As dificuldades na transição do saber empírico para o saber científico fazem com que muitos desistam, mas os que conseguem ultrapassar essa fase nunca mais querem voltar à escuridão. Muitos estão privados do saber científico e pensam que tudo sabem, e que o conhecimento que possuem é suficiente para que tudo entendam.
b) No Mito da Caverna, os homens que lá viviam achavam que a realidade da caverna era a única existente e que as sombras eram seres que se comunicavam. A visão que eles tinham da realidade era completamente distorcida do real. E isso não ocorre somente com os prisioneiros de Platão, mas também com os que negam o saber científico, com os que nada sabem e pensam que tudo sabem. A prova disso é que quanto mais uma pessoa se aprofunda no estudo filosófico ou de qualquer outra área, mais ela descobre que ainda tem muito a conhecer. Isso porque passa a conhecer outras realidades, não somente a que estava acostumado. E quanto mais realidades se descobrem, mais percebe que tem muito a aprender.
Muitos negam o saber científico, talvez pelas dificuldades que surgem à medida que vão descobrindo-o, talvez por achar mais cômodo permanecer sem o total conhecimento das coisas para não se preocupar demais com as coisas do mundo. Assim, as pessoas deixam de aproveitar de tudo o que o saber científico pode proporcionar para ficar preso nas limitações do saber científico.
c) Devemos perceber que, de certa forma, estamos também na escuridão como os prisioneiros de Platão, quando somente assistimos ao que se passa na televisão e nos outros meios de comunicação sem procurar questionar se os fatos narrados, que muitas vezes são manipulados, estão munidos de total clareza. Não se pode ficar restrito a uma só realidade, preso pelos que manipulam a mente da sociedade, não se pode ver os fatos de um só ângulo, deve-se refletir e pensar sobre o que nos é passado, para que não fiquemos eternamente presos na escura caverna do saber empírico e recebamos a luz do verdadeiro saber.


3. QUAL A VISÃO DE PLATÃO A RESPEITO DA FORMAÇÃO DA REALIDADE?
R. Platão fornece uma resposta algo diferente a Parmênides. Falava de um “receptáculo” em que a mistura de todas as coisas está contida (esta é a analogia do Vazio do atomista). Mais tarde, no entanto, também empregava o princípio da “qualidade outra” para distinguir uma coisa de outra. Esta tem sido chamada a diferenciação pelo não-ser relativo, porque afirma que toda a determinação é pela negação. Por exemplo, definimos ou identificamos o lápis por demonstrar que não é a mesa, nem o chão, nem qualquer outra coisa. Isto não significa que não existe qualquer outra coisa, mas simplesmente que o lápis não é todas as outras coisas. Logo, este é chamado o princípio do não-ser relativo, visto que, relativamente a todas as demais coisas, o lápis não é todas as demais coisas. Toda a diferenciação é pela negação. Um escultor “diferencia” a estátua da pedra por cinzelar (negar) tudo quanto não é a estátua. Desta mesma maneira, sugeriu Platão, tudo no mundo real (i.é, o mundo das Idéias ou Formas) pode ser diferenciado de todas as demais coisas.
Há várias maneiras segundo as quais esta solução pode ser criticada. Primeiramente, Parmênides perguntaria como o diferenciar pelo não-ser (relativo ou não) pode ser uma diferença real. Se ser é o que é real, logo, o não-ser seria aquilo que é não-real. Daí, se as coisas fossem diferentes somente pelo não-ser, não haveria diferença real entre elas. Em segundo lugar, outros filósofos perguntariam como toda a determinação pode ser mediante a negação. Como o escultor saberia quando parar de cinzelar a pedra a não ser que primeiramente tivesse alguma idéia positiva daquilo que a estátua haveria de ser? Finalmente, se toda a determinação (e a diferenciação) fosse pela negação, então seria necessário um número infinito de negações (de tudo o mais no universo) a fim de conhecer a identidade de qualquer coisa. Mas isto é impossível para uma mente finita.
Foi o próprio Platão a chamar a atenção para a existência de "um grande combate" (608b),[1] aquele travado entre a razão e a imagem, entre o discurso racional e as artes (miméticas). De uma forma que se pode considerar perversa, serão as artes mesmas a incorporarem os critérios instituídos por esse discurso que estabelece a oposição, aceitando princípios heterônomos e tentando responder às condições impostas por uma ordem que nunca foi a sua, aquela do discurso racional sobre o real, conformando-se, assim, às exigências do reconhecimento teórico.
Será justamente pela problemática do reconhecimento do real e das possibilidades de construir sobre este um conhecimento que, por sua vez, traduza o homem para o próprio homem, o lugar por onde Platão começa seu discurso mais conhecido e divulgado sobre a arte: a consciência ante o mundo que a cerca e o reconhecimento de si mesma como alteridade. O conceito de “mímesis” será ponto axial da teoria platônica da arte e alavanca mestra de sua condenação dos poderes artísticos. O Livro X de A República oferece-nos uma síntese esclarecedora do sentido de tal condenação, ao deixar explícito o reconhecimento, por parte do filósofo, do poder desenvolvido pela arte de seu tempo para criar ilusão. Mas não apenas aí são encontrados elementos que remeteriam àquele "grande combate".

4. COMO ARISTÓTELES EXPLICA O PROCESSO DO CONHECIMENTO?
R. Segundo a tese sofística sobre o conhecimento, podemos dizer brevemente que ela se desdobra dessa maneira: se conhecimento é sensação, então (i) tudo o que conheço é o que me aparece e é verdadeiro para mim e (ii) o conhecimento depende da disposição do percipiente, i.e., se muda a disposição, muda-se o conhecimento. Ou seja, se o conhecimento é sensação, então o que conheço, o que é verdadeiro para mim é aquilo que aparece aos meus sentidos, e, como a sensação depende da disposição do percipiente, então também o conhecimento depende da disposição do percipiente, portanto, se o saudável pensa que o vinho é doce, mas o doente que é amargo, então é verdadeiro que o vinho seja doce e amargo ao mesmo tempo, visto que o modo pelo qual conhecem depende da
disposição de cada um.
Aristóteles refuta esta argumentação ao mostrar o que é qualidade sensível e em que ela difere do que aparece ao sujeito, que conhecimento não é sensação de modo absoluto e nem o ser é perceber de modo absoluto, mas apenas em parte. As diferenças, portanto, entre conhecimento e sensação e entre ser e perceber se tornarão evidentes a partir dos seguintes argumentos: o primeiro argumento consiste em dizer que a qualidade sensível e o que me aparece, bem como a sensação e a mera aparência são coisas distintas. A qualidade sensível é uma propriedade real da coisa externa e independente do sujeito, já a aparência é uma afecção do sujeito, algo interno e dependente daquele que a sente. Porém, como veremos, nem tudo o que me aparece é verdadeiro, já a sensação dos sensíveis próprios será sempre verdadeira. O segundo argumento consiste em mostrar que aquilo que é não é absolutamente idêntico ao mundo sensível.
A realidade que se oferece a nós tem uma forma de existência que se assemelha à do organismo - isto é, de ser uma unidade múltipla, vivente, temporal - o conhecimento humano devia ser exatamente a mesma coisa. Ou seja, não somente o ser tem esta forma orgânica de existência - a unidade de uma diversidade imersa no tempo e num processo evolutivo --, mas o conhecimento humano também deve ser uma unidade muito complexa de elementos diversos, coeridos sob uma forma orgânica, e existentes no tempo através de uma sucessão de transformações.
Porém, Aristóteles insiste que a sabedoria é própria somente de Deus, e que para o homem ela é antes um ideal realizado de maneira precária e parcial do que uma posse efetiva. Por isto, no esquema da escala do conhecimento segundo Aristóteles, é justo incluir ou excluir o sexto estrato, a sabedoria, porque ela pertence à estrutura do homem como um ideal, mas não lhe pertence como posse efetiva.


5. QUAIS OS CONCEITOS CENTRAIS DO ESTOICISMO, EPICURISMO E CETICISMO?
R. O estoicismo concebe a filosofia de forma sistemática e composta de três partes fundamentais: a física, a lógica e a ética, cuja relação é explicada através da metáfora da árvore. A física corresponderia à raiz, a lógica ao tronco e a ética aos frutos. Portanto, a parte mais relevante é a ética: são os frutos que podemos colher da árvore do saber, porém não podemos tê-los sem as raízes e o tronco. Para se alcançar a felicidade é necessário o autocontrole, a contenção e a austeridade.
Os epicuristas foram grandes defensores de uma física materialista, atomista e mobilista, tendo a teoria do conhecimento epicurista caracterizada pela valorização da experiência imediata. A ética epicurista, assim como a estóica, postulava como principio básico a felicidade, obtida pela tranqüilidade e imperturbabilidade.
O Epicurismo está ligado ao prazer. Epicuro acreditava que o homem necessitava de Liberdade, amizade e tempo para meditar e o prazer estaria ligado à ausência de aflições como dor ou abstinência sexual, enquanto o estoicismo preconiza a indiferença. Zenão de Cítio que foi indiretamente influenciado por Heráclito, regia que o objetivo da vida é a felicidade, e esta deve ser perseguida segundo a natureza. A plenitude da felicidade é quando se abandona todas as paixões terrenas, ou seja, vive em eterna apatia, sem esperar nada da vida.
Quanto ao ceticismo e a tradição cética, nota-se que há uma diferença fundamental entre a Academia de Clitômaco e de Carnéades, e o ceticismo. Enquanto os acadêmicos afirmam ser impossível encontrar a verdade, os céticos, por assim dizer "autênticos", seguem buscando a verdade. O termo grego "skepsis" que se refere aos céticos, propriamente ditos, significa literalmente investigação, indagação. No entanto, com o advento do cristianismo e sua institucionalização como religião oficial do estado no Império Romano a partir do séc. IV se dá o progressivo ocaso das filosofias pagãs, inclusive do ceticismo.

BIBLIOGRAFIA:
COTRIM, Gilberto. FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA. SER, SABER E FAZER. Saraiva:1997, 13 ed..
JACQUES, Maritain. INTRODUÇÃO GERAL À FILOSOFIA. ELEMENTOS DE FILOSOFIA I. Rio de janeiro: Agir. 1994. 17 ed.
GEISLER, Norman L. e FEINBERG, Paul D. INTRODUÇÃO À FILOSOFIA – UMA PERSPECTIVA CRISTÃ. São Paulo: Vida Nova, 1983, 1 ed.
[1] Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2004000100006. Acessado em 24/11.08 às 12.40 h.

ASPECTOS PRINCIPAIS DO PENSAMENTO DOS FILÓSOFOS: PLATÃO,

HISTÓRIA DA FILOSOFIA I

ASPECTOS PRINCIPAIS DO PENSAMENTO DOS FILÓSOFOS: PLATÃO,
ARISTÓTELES E SÓCRATES.

1. PLATÃO
Platão, autor de vasta obra filosófica, preocupou-se com o conhecimento das verdades essenciais que determinam a realidade, marcando decisivamente o destino do saber e da civilização, estabelecendo princípios éticos para nortear o mundo social, permanecendo ainda hoje, como um ponto de referência obrigatório, tanto para os filósofos, como para os anti-filósofos.
1.1. A VIDA DE PLATÃO.
Platão nasceu em Atenas, em 428 ou 427 a.C., de pais aristocráticos e abastados, de antiga e nobre prosápia. Temperamento artístico e dialético - manifestação característica e suma do gênio grego - deu, na mocidade, livre curso ao seu talento poético, que o acompanhou durante a vida toda, manifestando-se na expressão estética de seus escritos; entretanto isto prejudicou sem dúvida a precisão e a ordem do seu pensamento, tanto assim que várias partes de suas obras não têm verdadeira importância e valor filosófico.
Aos vinte anos, Platão travou relação com Sócrates - mais velho do que ele quarenta anos - e gozou por oito anos do ensinamento e da amizade do mestre. Quando discípulo de Sócrates e ainda depois, Platão estudou também os maiores pré-socráticos. Depois da morte do mestre, Platão retirou-se com outros socráticos para junto de Euclides, em Mégara.
Daí deu início a suas viagens, e fez um vasto giro pelo mundo para se instruir (390-388). Visitou o Egito, de que admirou a veneranda antigüidade e estabilidade política; a Itália meridional, onde teve ocasião de travar relações com os pitagóricos (tal contato será fecundo para o desenvolvimento do seu pensamento); a Sicília, onde conheceu Dionísio o Antigo, tirano de Siracusa e travou amizade profunda com Dion, cunhado daquele. Caído, porém, na desgraça do tirano pela sua fraqueza, foi vendido como escravo. Libertado graças a um amigo, voltou a Atenas.
Em Atenas, pelo ano de 387, Platão fundava a sua célebre escola, que, dos jardins de Academo, onde surgiu, tomou o nome famoso de Academia. Adquiriu, perto de Colona, povoado da Ática, uma herdade, onde levantou um templo às Musas, que se tornou propriedade coletiva da escola e foi por ela conservada durante quase um milênio, até o tempo do imperador Justiniano (529 d.C.).
Platão, ao contrário de Sócrates, interessou-se vivamente pela política e pela filosofia política. Foi assim que o filósofo, após a morte de Dionísio o Antigo, voltou duas vezes - em 366 e em 361 - à Dion, esperando poder experimentar o seu ideal político e realizar a sua política utopista. Estas duas viagens políticas a Siracusa, porém, não tiveram melhor êxito do que a precedente: a primeira viagem terminou com desterro de Dion; na segunda, Platão foi preso por Dionísio, e foi libertado por Arquitas e pelos seus amigos, estando, então, Arquistas no governo do poderoso estado de Tarento.
Voltando para Atenas, Platão dedicou-se inteiramente à especulação metafísica, ao ensino filosófico e à redação de suas obras, atividade que não foi interrompida a não ser pela morte. Esta veio operar aquela libertação definitiva do cárcere do corpo, da qual a filosofia - como lemos no Fédon - não é senão uma assídua preparação e realização no tempo. Morreu o grande Platão em 348 ou 347 a.C., com oitenta anos de idade.
Platão é o primeiro filósofo antigo de quem possuímos as obras completas. Dos 35 diálogos, porém, que correm sob o seu nome, muitos são apócrifos, outros de autenticidade duvidosa.
A forma dos escritos platônicos é o diálogo, transição espontânea entre o ensinamento oral e fragmentário de Sócrates e o método estritamente didático de Aristóteles. No fundador da Academia, o mito e a poesia confundem-se muitas vezes com os elementos puramente racionais do sistema. Faltam-lhe ainda o rigor, a precisão, o método, a terminologia científica que tanto caracterizam os escritos do sábio estagirita.
1.2. PRINCIPAIS IDÉIAS DE PLATÃO.
Em linhas gerais, Platão desenvolveu a noção de que o homem está em contato permanente com dois tipos de realidade: os inteligíveis e os sensíveis. Os primeiros são realidades, mais concretas, permanentes, imutáveis, iguais a si mesmas. As segundas são todas as coisas que nos afetam os sentidos, são realidades dependentes, mutáveis e são imagens das realidades inteligíveis.
Tal concepção de Platão também é conhecida por Teoria das Idéias ou Teoria das Formas. Foi desenvolvida como hipótese no diálogo de Fédon e constitui uma maneira de garantir a possibilidade do conhecimento e fornecer uma inteligibilidade relativa aos fenômenos.
Para Platão, o mundo concreto percebido pelos sentidos é uma pálida reprodução do mundo das Idéias. Cada objeto concreto que existe participa, junto com todos os outros objetos de sua categoria, de uma Idéia perfeita. Uma determinada caneta, por exemplo, terá determinados atributos (cor, formato, tamanho etc.). Outra canta terá outros atributos, sendo ela também uma caneta, tanto quanto a outra. Aquilo que faz com que as duas sejam canetas é, para Platão, a Idéia de Caneta, perfeita, que esgota todas as possibilidades de ser caneta.
A ontologia de Platão diz, então, que algo é na medida em que participa da Idéia desse objeto. No caso da caneta é irrelevante, mas o foco de Platão são coisas como o ser humano, o bem ou a justiça, por exemplo.
O problema que Platão propõe-se a resolver é a tensão entre Heráclito e Parmênides: para o primeiro, o ser é a mudança, tudo está em constante movimento e é uma ilusão a estaticidade, ou a permanência de qualquer coisa; para o segundo, o movimento é uma ilusão, pois algo que é não pode deixar de ser e alho que não é não pode ser, assim, não há mudança.
Ou seja, por exemplo, o que faz com que determinada árvore seja ela mesma desde o estágio de semente até morrer, e o que faz com que ela seja tão árvore quanto outra espécie, com características tão diferentes? Há aqui uma mudança, tanto da árvore em relação a si mesma (com o passar do tempo ela cresce) quanto da árvore em relação a outra. Para Heráclito, a árvore está sempre mudando e nunca será a mesma, e para Parmênides, ela nunca muda, é sempre a mesma e é uma ilusão sua mudança.
Platão resolve esse problema com sua Teoria das Idéias. O que há de permanente em um objeto é a Idéia, mais precisamente, a participação desse objeto na sua Idéia correspondente. E a mudança ocorre porque esse objeto não é uma Idéia, mas uma incompleta representação da Idéia desse objeto. No exemplo da árvore, o que faz com que ela seja ela mesma e seja uma árvore, e não outra coisa, a despeito de sua diferença daquilo que era quando mais jovem e de outras árvores de outras espécies, e mesma das árvores da mesma espécie, é sua participação na Idéia de Árvore; e sua mudança deve-se ao fato de ser uma pálida representação da Idéia de Árvore.
Platão também elaborou uma teoria gnosociológica, ou seja, uma teoria que explica como se pode conhecer as coisas, ou ainda uma teoria do conhecimento. Segundo ele, ao vermos um objeto repetidas vezes, uma pessoa lembra-se, aos poucos, da Idéia daquele objeto, que viu no mundo das Idéias. Para explicar como se dá isso, Platão recorre a um mito ou metáfora, que diz que, antes de nascer, a alma de cada pessoa vivia em uma estrela, onde se localizam as Idéias. Quando uma pessoa nasce, sua alma é "jogada" para a Terra, e o impacto que ocorre faz com que esqueça o que viu na estrela. Mas ao ver um objeto aparecer de diferentes formas, como as diferentes árvores que se pode ver, a alma recorda-se da Idéia daquele objeto que foi vista na Estrela. Tal recordação, em Platão, chama-se anamnesis.
1.2.1. - Doutrina
A filosofia de Platão recebeu inúmeras interpretações não só devido a sua complexidade, mas por apresentar diversas etapas, em especial no que se refere à evolução das soluções que deu à teoria das idéias, poetizada e obscurecida pelo uso da linguagem simbólica. No entanto, suas doutrinas centram-se num propósito principal: opor-se ao relativismo dos sofistas, o que implica a suposição de haver conhecimento independente de fatores circunstanciais. Assim, o objetivo platônico era o conhecimento das verdades essenciais que determinam à realidade -- a ciência do universal e do necessário -- para poder estabelecer os princípios éticos que devem nortear a realidade social, em busca da concórdia numa sociedade em crise. Nesse sentido, sua obra pode ser considerada como um conjunto coerente, articulado pelo tema condutor da teoria das idéias.
1.2.2. - Teoria das idéias
Conhecimento e metafísica. Como primeiro passo para sua metafísica, Platão julgou indispensável elaborar uma teoria do conhecimento. O problema com o qual ele se defrontou foi o problema do ser. Uma vez que os sentidos nos revelam as coisas como múltiplas e mutáveis, ao passo que a inteligência nos revela sua unidade e permanência, procurou uma solução que conciliasse o testemunho dos sentidos e as exigências do conhecimento intelectual. Baseou-se nos conceitos matemáticos e nas noções éticas para demonstrar que a essência real e eterna das coisas existe. Usou como argumento a possibilidade de pensar figuras geométricas puras, que não existem no mundo físico. Da mesma forma, todo homem tem as noções de bem e justiça, por exemplo, que não têm correspondente no mundo sensível. Concluiu pela existência de um mundo de essências imutáveis e perfeitas, as idéias arquetípicas. Estas constituiriam a realidade inteligível -- objeto de conhecimento científico ou epistemológico --, cujas leis o mundo sensível -- objeto de opinião -- reproduziria de forma imperfeita. O homem, por ter corpo e alma, pertenceria simultaneamente a esses dois mundos.
Na hierarquia das idéias, situa-se no topo a idéia do bem, da qual participam as demais. Logo abaixo estão as idéias de beleza, verdade e simetria e, em plano inferior, os valores éticos e os conceitos matemáticos. Além disso, cada classe de ser existente no mundo sensível possui sua forma ideal: homem, cachorro, casa etc. A relação entre os diferentes seres que constituem uma classe e seu arquétipo, por exemplo, entre um homem e a idéia de homem, se explica pelo fato de serem os objetos sensíveis cópias ou imitações da idéia perfeita.
1.2.3. - Alma
Segundo Platão, a alma é anterior ao corpo, e antes de aprisionar-se nele, pertenceu ao mundo das idéias. Sua natureza é tripartida: no nível inferior, está a alma sensível, morada dos desejos e das paixões, à qual corresponde a virtude da moderação ou temperança; vem em seguida a alma irascível, que impele à ação e ao valor; sobre elas está a alma racional, que pertence à ordem inteligível e permite ao homem recordar sua existência anterior (teoria da reminiscência) e aceder ao mundo das idéias, mediante o cultivo da filosofia. A alma superior é imortal e retornará à esfera das idéias após a morte do corpo. Tais faculdades ou capacidades da alma se relacionam harmoniosamente por meio da virtude mais importante-- o sentimento de justiça -- e constituem aspectos de uma única e mesma realidade.
1.2.4. - Ética e política
A morte de Sócrates e as experiências políticas na Sicília levaram Platão a verificar que não é possível ser justo na cidade injusta e que a realização da filosofia implica não só a educação do homem, mas a reforma da sociedade e do estado. O sentido da filosofia -- o amor da sabedoria -- é o de conduzir o homem do mundo das aparências ao mundo da realidade, ou da contemplação das sombras à visão das idéias, imutáveis e eternas, iluminadas pela idéia suprema do bem. As concepções éticas e políticas de Platão são um prolongamento natural de sua teoria da alma. Uma vez que o homem acede às idéias por meio da razão e que as idéias são presididas pelo bem, o homem sábio será também necessariamente bom. Para isso, contudo, é preciso que a sociedade reproduza a ordem da alma. A justiça consiste na relação harmônica entre as partes, sob o cuidado da razão. Por isso, Platão sugeriu em A república, obra em que expõe suas idéias políticas, filosóficas, estéticas e jurídicas, um estado composto por três estamentos: (1) os regentes filósofos, sob o predomínio da alma racional; (2) os guerreiros guardiães, defensores do estado e cujos valores residem na alma irascível; (3) e a classe inferior dos produtores, regidos pela alma sensível, controlados mediante a temperança.
Podemos concluir que, suas principais contribuições para a humanidade, bem como, suas respectivas interpretações no âmbito administrativo são:
Separação das realidades: sensível (mundo dos reflexos, ou visível) e inteligível (mundo das idéias, ou invisível);
Criação de um sistema político, que adotava por base a justiça;
Supressão da comunidade, para a criação de um Estado sem meios de corrompê-lo;
Planejamento e execução de um projeto;
Normas e regimentos de uma corporação;
Divisão de trabalho baseada na capacitação profissional;
Dar condições favoráveis de trabalho, evitando desperdícios e possíveis frutos nas corporações, garantindo assim, a funcionalidade das mesmas.
Platão foi um dos filósofos mais influentes de todos os tempos. Seu pensamento domina a filosofia cristã antiga e medieval. Os ideais estéticos e humanistas do Renascimento constituíram também uma recuperação do platonismo. Há elementos platônicos também em pensadores modernos, como Leibniz e Hegel. Um dos pensadores mais importantes de todos os tempos. O platonismo concentra-se na distinção do mundo entre o que é visível, sensível (o mundo das coisas e dos seres), e o que é invisível, inteligível, ou seja, o mundo das idéias.
Platão morreu em Atenas, em 348 ou 347 a.C.
2. SÓCRATES
Sócrates foi um filósofo grego que morreu em Atenas, por volta do ano 400 a.C. E que teve como seu aluno mais famoso, Platão, que transmitiu os ensinamentos recebidos em seus escritos dialéticos.
Filósofo e mestre grego que morreu em Atenas, por volta do ano 400 a.C., Sócrates (aqui em cópia de um busto atribuído ao escultor grego Lisipo) modificou profundamente o pensamento filosófico ocidental, através de sua influência em seu aluno mais famoso, Platão, que transmitiu os ensinamentos recebidos em seus escritos dialéticos. Sócrates julgava que a pessoa tem pleno conhecimento da verdade última contida dentro da alma e precisa apenas ser estimulado por uma reflexão consciente para dela se dar conta. Sua crítica às injustiças da sociedade ateniense o levou a ser processado e condenado à morte, sob a acusação de estar corrompendo a juventude de Atenas.
2.1. VIDA DO FILÓSOFO SÓCRATES
Sócrates nasceu em Atenas, provavelmente em 470 a.C. Uns falam que era filho de uma parteira e de um homem bem relacionado nos meios políticos da cidade e outros que Sócrates era filho de um escultor, Sofronisco, e de uma parteira, Fenarete, por isso não se pode afirmar sua patologia.
Estudou com Arquelau, discípulo de Anaxágoras, e lutou em várias batalhas na guerra do Peloponeso. Casou-se com Xantipa, com quem teve três filhos. Seus contemporâneos o descrevem como um homem feio, mas dotado de grande senso de humor, tinha uma arma que geralmente utilizava para obrigar um oponente a confessar sua ignorância sobre um assunto em pauta
Sócrates tornou-se um dos principais pensadores da Grécia Antiga, foi o fundador da filosofia moral, ou axiologia. Seus primeiros estudos e pensamentos discorrem sobre a essência da natureza da alma humana.
Familiarizou-se com a retórica e a dialética dos sofistas (nome dos mestres itinerantes que proporcionavam instrução em troca de honorários cobrava para ensinar). Mas ao contrário dos sofistas, Sócrates nunca cobrou por suas aulas e ensinamentos e passou grande parte de sua vida provocando discussões em que ajudava o interlocutor a descobrir as próprias verdades, num método que ficou conhecido como maiêutica um de seus alunos e provavelmente o mais famoso foi Platão.
Queria muito compartilhar suas idéias com os cidadãos gregos, levando até eles conhecimento. Ele transmitia suas idéias através da fala, pois pelas palavras ele conseguia levar até eles esse conhecimento sobre o mundo e o homem.
Antes de Sócrates mostrar seus pensamentos, os filósofos acreditavam que deviam procurar uma explicação para o mundo natural. Depois dele, o pensamento voltou-se para os assuntos que Sócrates considerava fundamentais: o homem e o humano, temas espelhados na ética e na filosofia.
Conhecemos seus pensamentos e idéias através das obras de dois de seus discípulos: Platão e Xenofontes, pois infelizmente, Sócrates não deixou por escrito seus pensamentos, cuja a base era a crença na compreensão dos conceitos de justiça, amor, virtude e conhecimento de si e que todo vício é produto da ignorância.
Sócrates não foi muito bem aceito por parte da aristocracia grega, pois defendia algumas idéias contrárias ao funcionamento da sociedade grega. Criticou muitos aspectos da cultura grega, afirmando que muitas tradições, crenças religiosas e costumes não ajudavam no desenvolvimento intelectual dos cidadãos gregos.
Suas idéias inovadoras atraíram muitos jovens atenienses, e suas qualidades de orador e sua inteligência também colaborou para o aumento de sua popularidade.
Como Sócrates tinha idéias novas, os conservadores de Atenas, temendo uma mudança na sociedade, consideravam Sócrates um inimigo público e um agitador em potencial.
Foi preso, acusado de pretender subverter a ordem social, corromper a juventude e provocar mudanças na religião grega. Em sua cela, foi condenado a suicidar-se tomando um veneno chamado cicuta, em 399 AC.
Sócrates foi o primeiro nome da trindade de pensadores gregos que marcaram a filosofia e cultura ocidental.
2.2 MÉTODO DE SÓCRATES
É a parte polêmica. Insistindo no perpétuo fluxo das coisas e na variabilidade extrema das impressões sensitivas determinadas pelos indivíduos que de contínuo se transformam, concluíram os sofistas pela impossibilidade absoluta e objetiva do saber. Sócrates restabelece-lhe a possibilidade, determinando o verdadeiro objeto da ciência.
O objeto da ciência não é o sensível, o particular, o indivíduo que passa; é o inteligível, o conceito que se exprime pela definição. Este conceito ou idéia geral obtém-se por um processo dialético por ele chamado indução e que consiste em comparar vários indivíduos da mesma espécie, eliminar-lhes as diferenças individuais, as qualidades mutáveis e reter-lhes o elemento comum, estável, permanente, a natureza, a essência da coisa. Por onde se vê que a indução socrática não tem o caráter demonstrativo do moderno processo lógico, que vai do fenômeno à lei, mas é um meio de generalização, que remonta do indivíduo à noção universal.
Praticamente, na exposição polêmica e didática destas idéias, Sócrates adotava sempre o diálogo, que revestia uma dúplice forma, conforme se tratava de um adversário a confutar ou de um discípulo a instruir. No primeiro caso, assumia humildemente a atitude de quem aprende e ia multiplicando as perguntas até colher o adversário presunçoso em evidente contradição e constrangê-lo à confissão humilhante de sua ignorância. É a ironiasocrática. No segundo caso, tratando-se de um discípulo (e era muitas vezes o próprio adversário vencido), multiplicava ainda as perguntas, dirigindo-as agora ao fim de obter, por indução dos casos particulares e concretos, um conceito, uma definição geral do objeto em questão. A este processo pedagógico, em memória da profissão materna, denominava ele maiêutica ou engenhosa obstetrícia do espírito, que facilitava a parturição das idéias.
2.3. DOUTRINAS FILOSÓFICAS
A introspecção é o característico da filosofia de Sócrates. E exprime-se no famoso lema conhece-te a ti mesmo - isto é, torna-te consciente de tua ignorância - como sendo o ápice da sabedoria, que é o desejo da ciência mediante a virtude. E alcançava em Sócrates intensidade e profundidade tais, que se concretizava, se personificava na voz interior divina do gênio ou demônio.
Como é sabido, Sócrates não deixou nada escrito. As notícias que temos de sua vida e de seu pensamento, devemo-las especialmente aos seus dois discípulos Xenofonte e Platão, de feição intelectual muito diferente. Xenofonte, autor de Anábase, em seus Ditos Memoráveis, legou-nos de preferência o aspecto prático e moral da doutrina do mestre. Xenofonte, de estilo simples e harmonioso, mas sem profundidade, não obstante a sua devoção para com o mestre e a exatidão das notícias, não entendeu o pensamento filosófico de Sócrates, sendo mais um homem de ação do que um pensador. Platão, pelo contrário, foi filósofo grande demais para nos dar o preciso retrato histórico de Sócrates; nem sempre é fácil discernir o fundo socrático das especulações acrescentadas por ele. Seja como for, cabe-lhe a glória e o privilégio de ter sido o grande historiador do pensamento de Sócrates, bem como o seu biógrafo genial. Com efeito, pode-se dizer que Sócrates é o protagonista de todas as obras platônicas embora Platão conhecesse Sócrates já com mais de sessenta anos de idade.
"Conhece-te a ti mesmo" - o lema em que Sócrates cifra toda a sua vida de sábio. O perfeito conhecimento do homem é o objetivo de todas as suas especulações e a moral, o centro para o qual convergem todas as partes da filosofia. A psicologia serve-lhe de preâmbulo, a teodicéia de estímulo à virtude e de natural complemento da ética.
Em psicologia, Sócrates professa a espiritualidade e imortalidade da alma, distingue as duas ordens de conhecimento, sensitivo e intelectual, mas não define o livre arbítrio, identificando a vontade com a inteligência.
Em teodicéia, estabelece a existência de Deus: a) com o argumento teológico, formulando claramente o princípio: tudo o que é adaptado a um fim é efeito de uma inteligência; b) com o argumento, apenas esboçado, da causa eficiente: se o homem é inteligente, também inteligente deve ser a causa que o produziu; c) com o argumento moral: a lei natural supõe um ser superior ao homem, um legislador, que a promulgou e sancionou. Deus não só existe, mas é também Providência, governa o mundo com sabedoria e o homem pode propiciá-lo com sacrifícios e orações. Apesar destas doutrinas elevadas, Sócrates aceita em muitos pontos os preconceitos da mitologia corrente que ele aspira reformar.
Moral. É a parte culminante da sua filosofia. Sócrates ensina a bem pensar para bem viver. O meio único de alcançar a felicidade ou semelhança com Deus, fim supremo do homem, é a prática da virtude. A virtude adquiri-se com a sabedoria ou, antes, com ela se identifica. Esta doutrina, uma das mais características da moral socrática, é conseqüência natural do erro psicológico de não distinguir a vontade da inteligência. Conclusão: grandeza moral e penetração especulativa, virtude e ciência, ignorância e vício são sinônimos. "Se músico é o que sabe música, pedreiro o que sabe edificar, justo será o que sabe a justiça".
Sócrates reconhece também, acima das leis mutáveis e escritas, a existência de uma lei natural - independente do arbítrio humano, universal, fonte primordial de todo direito positivo, expressão da vontade divina promulgada pela voz interna da consciência.
Sublime nos lineamentos gerais de sua ética, Sócrates, em prática, sugere quase sempre a utilidade como motivo e estímulo da virtude. Esta feição utilitarista empana-lhe a beleza moral do sistema.
2.4. GNOSIOLOGIA
O interesse filosófico de Sócrates volta-se para o mundo humano, espiritual, com finalidades práticas, morais. Como os sofistas, ele é cético a respeito da cosmologia e, em geral, a respeito da metafísica; trata-se, porém, de um ceticismo de fato, não de direito, dada a sua revalidação da ciência. A única ciência possível e útil é a ciência da prática, mas dirigida para os valores universais, não particulares. Vale dizer que o agir humano - bem como o conhecer humano - se baseia em normas objetivas e transcendentes à experiência. O fim da filosofia é a moral; no entanto, para realizar o próprio fim, é mister conhecê-lo; para construir uma ética é necessário uma teoria; no dizer de Sócrates, a gnosiologia deve preceder logicamente a moral. Mas, se o fim da filosofia é prático, o prático depende, por sua vez, totalmente, do teorético, no sentido de que o homem tanto opera quanto conhece: virtuoso é o sábio, malvado, o ignorante. O moralismo socrático é equilibrado pelo mais radical intelectualismo, racionalismo, que está contra todo voluntarismo, sentimentalismo, pragmatismo, ativismo.
A filosofia socrática, portanto, limita-se à gnosiologia e à ética, sem metafísica. A gnosiologia de Sócrates, que se concretizava no seu ensinamento dialógico, donde é preciso extraí-la, pode-se esquematicamente resumir nestes pontos fundamentais: ironia, maiêutica, introspecção, ignorância, indução, definição. Antes de tudo, cumpre desembaraçar o espírito dos conhecimentos errados, dos preconceitos, opiniões; este é o momento da ironia, isto é, da crítica. Sócrates, de par com os sofistas, ainda que com finalidade diversa, reivindica a independência da autoridade e da tradição, a favor da reflexão livre e da convicção racional. A seguir será possível realizar o conhecimento verdadeiro, a ciência, mediante a razão. Isto quer dizer que a instrução não deve consistir na imposição extrínseca de uma doutrina ao discente, mas o mestre deve tirá-la da mente do discípulo, pela razão imanente e constitutiva do espírito humano, a qual é um valor universal. É a famosa maiêutica de Sócrates, que declara auxiliar os partos do espírito, como sua mãe auxiliava os partos do corpo.
Esta interioridade do saber, esta intimidade da ciência - que não é absolutamente subjetivista, mas é a certeza objetiva da própria razão - patenteiam-se no famoso dito socrático"conhece-te a ti mesmo" que, no pensamento de Sócrates, significa precisamente consciência racional de si mesmo, para organizar racionalmente a própria vida. Entretanto, consciência de si mesmo quer dizer, antes de tudo, consciência da própria ignorância inicial e, portanto, necessidade de superá-la pela aquisição da ciência. Esta ignorância não é, por conseguinte, ceticismo sistemático, mas apenas metódico, um poderoso impulso para o saber, embora o pensamento socrático fique, de fato, no agnosticismo filosófico por falta de uma metafísica, pois, Sócrates achou apenas a forma conceptual da ciência, não o seu conteúdo.
O procedimento lógico para realizar o conhecimento verdadeiro, científico, conceptual é, antes de tudo, a indução: isto é, remontar do particular ao universal, da opinião à ciência, da experiência ao conceito. Este conceito é, depois, determinado precisamente mediante a definição, representando o ideal e a conclusão do processo gnosiológico socrático, e nos dá a essência da realidade.
2.5. A MORAL
Como Sócrates é o fundador da ciência em geral, mediante a doutrina do conceito, assim é o fundador, em particular da ciência moral, mediante a doutrina de que eticidade significa racionalidade, ação racional. Virtude é inteligência, razão, ciência, não sentimento, rotina, costume, tradição, lei positiva, opinião comum. Tudo isto tem que ser criticado, superado, subindo até à razão, não descendo até à animalidade - como ensinavam os sofistas. É sabido que Sócrates levava a importância da razão para a ação moral até àquele intelectualismo que, identificando conhecimento e virtude - bem como ignorância e vício - tornava impossível o livre arbítrio. Entretanto, como a gnosiologia socrática carece de uma especificação lógica, precisa - afora a teoria geral de que a ciência está nos conceitos - assim a ética socrática carece de um conteúdo racional, pela ausência de uma metafísica. Se o fim do homem for o bem - realizando-se o bem mediante a virtude, e a virtude mediante o conhecimento - Sócrates não sabe, nem pode precisar este bem, esta felicidade, precisamente porque lhe falta uma metafísica. Traçou, todavia, o itinerário, que será percorrido por Platão e acabado, enfim, por Aristóteles. Estes dois filósofos, partindo dos pressupostos socráticos, desenvolverão uma gnosiologia acabada, uma grande metafísica e, logo, uma moral.
2.6. ESCOLAS SOCRÁTICAS MENORES
A reforma socrática atingiu os alicerces da filosofia. A doutrina do conceito determina para sempre o verdadeiro objeto da ciência: a indução dialética reforma o método filosófico; a ética une pela primeira vez e com laços indissolúveis a ciência dos costumes à filosofia especulativa. Não é, pois, de admirar que um homem, já aureolado pela austera grandeza moral de sua vida, tenha, pela novidade de suas idéias, exercido sobre os contemporâneos tamanha influência. Entre os seus numerosos discípulos, além de simples amadores, como Alcibíades e Eurípedes, além dos vulgarizadores da sua moral (socratici viri), como Xenofonte, havia verdadeiros filósofos que se formaram com os seus ensinamentos. Dentre estes, alguns, saídos das escolas anteriores não lograram assimilar toda a doutrina do mestre; desenvolveram exageradamente algumas de suas partes com detrimento do conjunto.
Sócrates não elaborou um sistema filosófico acabado, nem deixou algo de escrito; no entanto, descobriu o método e fundou uma grande escola. Por isso, dele depende, direta ou indiretamente, toda a especulação grega que se seguiu, a qual, mediante o pensamento socrático, valoriza o pensamento dos pré-socráticos desenvolvendo-o em sistemas vários e originais. Isto aparece imediatamente nas escolas socráticas. Estas - mesmo diferenciando-se bastante entre si - concordam todas pelo menos na característica doutrina socrática de que o maior bem do homem é a sabedoria. A escola socrática maior é a platônica; representa o desenvolvimento lógico do elemento central do pensamento socrático - o conceito - juntamente com o elemento vital do pensamento precedente, e culmina em Aristóteles, o vértice e a conclusão da grande metafísica grega. Fora desta escola começa a decadência e desenvolver-se-ão as escolas socráticas menores.
São fundadores das escolas socráticas menores, das quais as mais conhecidas são:
1. A escola de Megara, fundada por Euclides (449-369), que tentou uma conciliação da nova ética com a metafísica dos eleatas e abusou dos processos dialéticos de Zenão.
2. A escola cínica, fundada por Antístenes (n. c. 445), que, exagerando a doutrina socrática do desapego das coisas exteriores, degenerou, por último, em verdadeiro desprezo das conveniências sociais. São bem conhecidas as excentricidades de Diógenes.
3. A escola cirenaica ou hedonista, fundada por Aristipo, (n. c. 425) que desenvolveu o utilitarismo do mestre em hedonismo ou moral do prazer. Estas escolas, que, durante o segundo período, dominado pelas altas especulações de Platão e Aristóteles , verdadeiros continuadores da tradição socrática, vegetaram na penumbra, mais tarde recresceram transformadas ou degeneradas em outras seitas filosóficas. Dentre os herdeiros de Sócrates, porém, o herdeiro genuíno de suas idéias, o seu mais ilustre continuador foi o sublime Platão.
2.7. Algumas frases e pensamentos atribuídos ao filósofo Sócrates:
A vida que não passamos em revista não vale a pena viver.
A palavra é o fio de ouro do pensamento.
Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância.
É melhor fazer pouco e bem, do que muito e mal.
Alcançar o sucesso pelos próprios méritos. Vitoriosos os que assim procedem.
A ociosidade é que envelhece, não o trabalho.
O início da sabedoria é a admissão da própria ignorância.
Chamo de preguiçoso o homem que podia estar melhor empregado.
Há sabedoria em não crer saber aquilo que tu não sabes.
Não penses mal dos que procedem mal; pense somente que estão equivocados.
O amor é filho de dois deuses, a carência e a astúcia.
A verdade não está com os homens, mas entre os homens.
Quatro características devem ter um juiz: ouvir cortesmente, responder sabiamente, ponderar prudentemente e decidir imparcialmente.
Quem melhor conhece a verdade é mais capaz de mentir.
Sob a direção de um forte general, não haverá jamais soldados fracos.
Todo o meu saber consiste em saber que nada sei.
Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo de Deus.
3. ARISTÓTELES.
Este grande filósofo grego, filho de Nicômaco, médico de Amintas, rei da Macedônia, nasceu em Estagira, colônia grega da Trácia, no litoral setentrional do mar Egeu, em 384 a.C. Aos dezoito anos, em 367, foi para Atenas e ingressou na Academia Platônica, onde ficou por vinte anos, até à morte do Mestre. Nesse período estudou também os filósofos pré-platônicos, que lhe foram úteis na construção do seu grande sistema.
Em 343 foi convidado pelo Rei Filipe para a corte de Macedônia, como preceptor do Príncipe Alexandre, então jovem de treze anos. Aí ficou três anos, até à famosa expedição asiática, conseguindo um êxito na sua missão educativo-política, que Platão não conseguiu, por certo, em Siracusa.
De volta a Atenas, em 335, treze anos depois da morte de Platão, Aristóteles fundava, perto do templo de Apolo Lício, a sua escola. Daí o nome de Liceu dado à sua escola, também chamada peripatética devido ao costume de dar lições, em amena palestra, passeando nos umbrosos caminhos do ginásio de Apolo. Esta escola seria a grande rival e a verdadeira herdeira da velha e gloriosa academia platônica.
Com a Morte de Alexandre em 323, desfez-se politicamente o seu grande império e despertaram-se em Atenas os desejos de independência, estourando uma reação nacional, chefiada por Demóstenes. Aristóteles, malvisto pelos atenienses, foi acusado de ateísmo. Preveniu ele a condenação, retirando-se voluntariamente para Eubéia, Aristóteles faleceu no ano seguinte, no verão de 322. Tinha pouco mais de 60 anos de idade.
A respeito do caráter de Aristóteles, inteiramente recolhido na elaboração crítica do seu sistema filosófico, sem se deixar distrair por motivos práticos ou sentimentais, temos naturalmente muito menos a revelar do que em torno do caráter de Platão, em que, ao contrário, os motivos políticos, éticos, estéticos e místicos tiveram grande influência. Do diferente caráter dos dois filósofos, dependem também as vicissitudes exteriores das duas vidas, mais uniforme e linear a de Aristóteles, variada e romanesca a de Platão. Aristóteles foi essencialmente um homem de cultura, de estudo, de pesquisas, de pensamento, que se foi isolando da vida prática, social e política, para se dedicar à investigação científica.
A atividade literária de Aristóteles foi vasta e intensa, como a sua cultura e seu gênio universal. "Assimilou Aristóteles escreve magistralmente Leonel Franca todos os conhecimentos anteriores e acrescentou-lhes o trabalho próprio, fruto de muita observação e de profundas meditações. Escreveu sobre todas as ciências, constituindo algumas desde os primeiros fundamentos, organizando outras em corpo coerente de doutrinas e sobre todas espalhando as luzes de sua admirável inteligência. Não lhe faltou nenhum dos dotes e requisitos que constituem o verdadeiro filósofo: profundidade e firmeza de inteligência, agudeza de penetração, vigor de raciocínio, poder admirável de síntese, faculdade de criação e invenção aliados a uma vasta erudição histórica e universalidade de conhecimentos científicos. O grande estagirita explorou o mundo do pensamento em todas as suas direções. Pelo elenco dos principais escritos que dele ainda nos restam, poder-se-á avaliar a sua prodigiosa atividade literária".
3.1. OBRAS DE ARISTÓLTELES
as obras doutrinais de Aristóteles foram classificadas da seguinte maneira, tendo presente a edição de Andronico de Rodes.
3.1.1. Escritos lógicos: cujo conjunto foi denominado Órganon mais tarde, não por Aristóteles. O nome, entretanto, corresponde muito bem à intenção do autor, que considerava a lógica instrumento da ciência.
3.1.2. Escritos sobre a física: abrangendo a hodierna cosmologia e a antropologia, e pertencentes à filosofia teorética, juntamente com a metafísica.
3.1.3. Escritos metafísicos: a Metafísica famosa, em catorze livros. É uma compilação feita depois da morte de Aristóteles mediante seus apontamentos manuscritos, referentes à metafísica geral e à teologia. O nome de metafísica é devido ao lugar que ela ocupa na coleção de Andrônico, que a colocou depois da física.
3.1.4. Escritos morais e políticos: a Ética a Nicômaco, em dez livros, provavelmente publicada por Nicômaco, seu filho, ao qual é dedicada; a Ética a Eudemo, inacabada, refazimento da ética de Aristóteles, devido a Eudemo; a Grande Ética, compêndio das duas precedentes, em especial da segunda; a Política, em oito livros, incompleta.
3.1.5. Escritos retóricos e poéticos: a Retórica, em três livros; a Poética, em dois livros, que, no seu estado atual, é apenas uma parte da obra de Aristóteles. As obras de Aristóteles as doutrinas que nos restam - manifestam um grande rigor científico, sem enfeites míticos ou poéticos, exposição e expressão breve e aguda, clara e ordenada, perfeição maravilhosa da terminologia filosófica, de que foi ele o criador.
3.2. FILOSOFIA DE ARISTÓTELES
Partindo como Platão do mesmo problema acerca do valor objetivo dos conceitos, mas abandonando a solução do mestre, Aristóteles constrói um sistema inteiramente original. Os caracteres desta grande síntese são:
3.2.1. Observação fiel da natureza: Platão, idealista, rejeitara a experiência como fonte de conhecimento certo. Aristóteles, mais positivo, toma sempre o fato como ponto de partida de suas teorias, buscando na realidade um apoio sólido às suas mais elevadas especulações metafísicas.
3.2.2. Rigor no método: Depois de estudas as leis do pensamento, o processo dedutivo e indutivo aplica-os, com rara habilidade, em todas as suas obras, substituindo à linguagem imaginosa e figurada de Platão, em estilo lapidar e conciso e criando uma terminologia filosófica de precisão admirável. Pode considerar-se como o autor da metodologia e tecnologia científicas. Geralmente, no estudo de uma questão, Aristóteles procede por partes:
a) começa a definir-lhe o objeto;
b) passa a enumerar-lhes as soluções históricas;
c) propõe depois as dúvidas;
d) indica, em seguida, a própria solução;
e) refuta, por último, as sentenças contrárias.
3.2.3. Unidade do conjunto: Sua vasta obra filosófica constitui um verdadeiro sistema, uma verdadeira síntese. Todas as partes se compõem, se correspondem, se confirmam.
3.3. PRINCIPAIS PENSAMENTOS
3.3.1. A Teologia
Objeto próprio da teologia é o primeiro motor imóvel, ato puro, o pensamento do pensamento, isto é, Deus, a quem Aristóteles chega através de uma sólida demonstração, baseada sobre a imediata experiência, indiscutível, realidade do vir-a-ser, da passagem da potência ao ato. Este vir-a-ser, passagem da potência ao ato, requer finalmente um não-vir-a-ser, motor imóvel, um motor já em ato, um ato puro enfim, pois, de outra forma teria que ser movido por sua vez. A necessidade deste primeiro motor imóvel não é absolutamente excluída pela eternidade do vir-a-ser, do movimento, do mundo. Com efeito, mesmo admitindo que o mundo seja eterno, isto é, que não tem princípio e fim no tempo, enquanto é vir-a-ser, passagem da potência ao ato, fica eternamente inexplicável, contraditório, sem um primeiro motor imóvel, origem extra-temporal, causa absoluta, razão metafísica de todo devir. Deus, o real puro, é aquilo que move sem ser movido; a matéria, o possível puro, é aquilo que é movido, sem se mover a si mesmo.
Da análise do conceito de Deus, concebido como primeiro motor imóvel, conquistado através do precedente raciocínio, Aristóteles, pode deduzir logicamente a natureza essencial de Deus, concebido, antes de tudo, como ato puro, e, conseqüentemente, como pensamento de si mesmo. Deus é unicamente pensamento, atividade teorética, no dizer de Aristóteles, enquanto qualquer outra atividade teria fim extrínseco, incompatível com o ser perfeito, auto-suficiente. Se o agir, o querer tem objeto diverso do sujeito agente e "querente", Deus não pode agir e querer, mas unicamente conhecer e pensar, conhecer a si próprio e pensar em si mesmo. Deus é, portanto, pensamento de pensamento, pensamento de si, que é pensamento puro. E nesta autocontemplação imutável e ativa, está a beatitude divina.
Se Deus é mera atividade teorética, tendo como objeto unicamente a própria perfeição, não conhece o mundo imperfeito, e menos ainda opera sobre ele. Deus não atua sobre o mundo, voltando-se para ele, com o pensamento e a vontade; mas unicamente como o fim último, atraente, isto é, como causa final, e, por conseqüência, e só assim, como causa eficiente e formal (exemplar). De Deus depende a ordem, a vida, a racionalidade do mundo; ele, porém, não é criador, nem providência do mundo. Em Aristóteles o pensamento grego conquista logicamente a transcendência de Deus; mas, no mesmo tempo, permanece o dualismo, que vem anular aquele mesmo Absoluto a que logicamente chegara, para dar uma explicação filosófica da relatividade do mundo pondo ao seu lado esta realidade independente dele.
3.3.2. A Moral
Aristóteles trata da moral em três Éticas, de que se falou quando das obras dele. Consoante sua doutrina metafísica fundamental, todo ser tende necessariamente à realização da sua natureza, à atualização plena da sua forma: e nisto está o seu fim, o seu bem, a sua felicidade, e, por conseqüência, a sua lei. Visto ser a razão a essência característica do homem, realiza ele a sua natureza vivendo racionalmente e senso disto consciente. E assim consegue ele a felicidade e a virtude, isto é, consegue a felicidade mediante a virtude, que é precisamente uma atividade conforme à razão, isto é, uma atividade que pressupõe o conhecimento racional. Logo, o fim do homem é a felicidade, a que é necessária à virtude, e a esta é necessária a razão. A característica fundamental da moral aristotélica é, portanto, o racionalismo, visto ser a virtude ação consciente segundo a razão, que exige o conhecimento absoluto, metafísico, da natureza e do universo, natureza segundo a qual e na qual o homem deve operar.
As virtudes éticas, morais, não são mera atividade racional, como as virtudes intelectuais, teoréticas; mas implicam, por natureza, um elemento sentimental, afetivo, passional, que deve ser governado pela razão, e não pode, todavia, ser completamente resolvido na razão. A razão aristotélica governa, domina as paixões, não as aniquila e destrói, como queria o ascetismo platônico. A virtude ética não é, pois, razão pura, mas uma aplicação da razão; não é unicamente ciência, mas uma ação com ciência.
3.3.3. A Religião e a Arte
Com Aristóteles afirma-se o teísmo do ato puro. No entanto, este Deus, pelo seu efetivo isolamento do mundo, que ele não conhece, não cria, não governa, não está em condições de se tornar objeto de religião, mais do que as transcendentes idéias platônicas. E não fica nenhum outro objeto religioso. Também Aristóteles, como Platão, se exclui filosoficamente o antropomorfismo, não exclui uma espécie de politeísmo, e admite, ao lado do Ato Puro e a ele subordinado, os deuses astrais, isto é, admite que os corpos celestes são animados por espíritos racionais. Entretanto, esses seres divinos não parecem e não podem ter função religiosa e sem física.
Não obstante esta concepção filosófica da divindade, Aristóteles admite a religião positiva do povo, até sem correção alguma. Explica e justifica a religião positiva, tradicional, mítica, como obra política para moralizar o povo, e como fruto da tendência humana para as representações antropomórficas; e não diz que ela teria um fundamento racional na verdade filosófica da existência da divindade, a que o homem se teria facilmente elevado através do espetáculo da ordem celeste.
Aristóteles como Platão considera a arte como imitação, de conformidade com o fundamental realismo grego. Não, porém, imitação de uma imitação, como é o fenômeno, o sensível, platônicos; e sim imitação direta da própria idéia, do inteligível imanente no sensível, imitação da forma imanente na matéria. Na arte, esse inteligível, universal é encarnado, concretizado num sensível, num particular e, destarte, tornando intuitivo, graças ao artista. Por isso, Aristóteles considera a arte a poesia de Homero que tem por conteúdo o universal, o imutável, ainda que encarnado fantasticamente num particular, como superior à história e mais filosófica do que a história de Heródoto que tem como objeto o particular, o mutável, seja embora real. O objeto da arte não é o que aconteceu uma vez como é o caso da história, mas o que por natureza deve, necessária e universalmente, acontecer. Deste seu conteúdo inteligível, universal, depende a eficácia espiritual pedagógica, purificadora da arte.
Se bem que a arte seja imitação da realidade no seu elemento essencial, a forma, o inteligível, este inteligível recebe como que uma nova vida através da fantasia criadora do artista, isto precisamente porque o inteligível, o universal, deve ser encarnado, concretizado pelo artista num sensível, num particular. As leis da obra de arte serão, portanto, além de imitação do universal verossimilhança e necessidade coerência interior dos elementos da representação artística, íntimo sentimento do conteúdo, evidência e vivacidade de expressão. A arte é, pois, produção mediante a imitação; e a diferença entre as várias artes é estabelecida com base no objeto ou no instrumento de tal imitação.
3.3.4. A Metafísica
A metafísica aristotélica é "a ciência do ser como ser, ou dos princípios e das causas do ser e de seus atributos essenciais". Ela abrange ainda o ser imóvel e incorpóreo, princípio dos movimentos e das formas do mundo, bem como o mundo mutável e material, mas em seus aspectos universais e necessários. Exporemos portanto, antes de tudo, as questões gerais da metafísica, para depois chegarmos àquela que foi chamada, mais tarde, metafísica especial; tem esta como objeto o mundo que vem-a-ser - natureza e homem - e culmina no que não pode vir-a-ser, isto é, Deus. Podem-se reduzir fundamentalmente a quatro as questões gerais da metafísica aristotélica: potência e ato, matéria e forma, particular e universal, movido e motor. A primeira e a última abraçam todo o ser, a segunda e a terceira todo o ser em que está presente a matéria.
3.3.5. A Psicologia
Objeto geral da psicologia aristotélica é o mundo animado, isto é, vivente, que tem por princípio a alma e se distingue essencialmente do mundo inorgânico, pois, o ser vivo diversamente do ser inorgânico possui internamente o princípio da sua atividade, que é precisamente a alma, forma do corpo. A característica essencial e diferencial da vida e da planta, que tem por princípio a alma vegetativa, é a nutrição e a reprodução. A característica da vida animal, que tem por princípio a alma sensitiva, é precisamente a sensibilidade e a locomoção. Enfim, a característica da vida do homem, que tem por princípio a alma racional, é o pensamento. Todas estas três almas são objeto da psicologia aristotélica. Aqui nos limitamos à psicologia racional, que tem por objeto específico o homem, visto que a alma racional cumpre no homem também as funções da vida sensitiva e vegetativa; e, em geral, o princípio superior cumpre as funções do princípio inferior. De sorte que, segundo Aristóteles diversamente de Platão todo ser vivo tem uma só alma, ainda que haja nele funções diversas faculdades diversas porquanto se dão atos diversos. E assim, conforme Aristóteles, diversamente de Platão, o corpo humano não é obstáculo, mas instrumento da alma racional, que é a forma do corpo.
O homem é uma unidade substancial de alma e de corpo, em que a primeira cumpre as funções de forma em relação à matéria, que é constituída pelo segundo. O que caracteriza a alma humana é a racionalidade, a inteligência, o pensamento, pelo que ela é espírito. Mas a alma humana desempenha também as funções da alma sensitiva e vegetativa, sendo superior a estas. Assim, a alma humana, sendo embora uma e única, tem várias faculdades, funções, porquanto se manifesta efetivamente com atos diversos. As faculdades fundamentais do espírito humano são duas: teorética e prática, cognoscitiva e operativa, contemplativa e ativa. Cada uma destas, pois, se desdobra em dois graus, sensitivo e intelectivo, se se tiver presente que o homem é um animal racional, quer dizer, não é um espírito puro, mas um espírito que anima um corpo animal.
3.3.6. A Cosmologia
Uma questão geral da física aristotélica, como filosofia da natureza, é a análise dos vários tipos de movimento, mudança, que já sabemos ser passagem da potência ao ato, realização de uma possibilidade. Aristóteles distingue quatro espécies de movimentos:
1. Movimento substancial - mudança de forma, nascimento e morte;
2. Movimento qualitativo - mudança de propriedade;
3. Movimento quantitativo - acrescimento e diminuição;
4. Movimento espacial - mudança de lugar, condicionando todas as demais espécies de mudança.
Outra especial e importantíssima questão da física aristotélica é a concernente ao espaço e ao tempo, em torno dos quais fez ele investigações profundas. O espaço é definido como sendo o limite do corpo, isto é, o limite imóvel do corpo "circundante" com respeito ao corpo circundado. O tempo é definido como sendo o número - isto é, a medida - do movimento segundo a razão, o aspecto, do "antes" e do "depois". Admitidas as precedentes concepções de espaço e de tempo - como sendo relações de substâncias, de fenômenos - é evidente que fora do mundo não há espaço nem tempo: espaço e tempo vazios são impensáveis.
Uma terceira questão fundamental da filosofia natural de Aristóteles é a concernente ao teleologismo - finalismo - por ele propugnado com base na finalidade, que ele descortina em a natureza. "A natureza faz, enquanto possível, sempre o que é mais belo". Fim de todo devir é o desenvolvimento da potência ao ato, a realização da forma na matéria.
Quanto às ciências químicas, físicas e especialmente astronômicas, as doutrinas aristotélicas têm apenas um valor histórico, e são logicamente separáveis da sua filosofia, que tem um valor teorético. Especialmente célebre é a sua doutrina astronômica geocêntrica, que prestará a estrutura física à Divina Comédia de Dante Alighieri.
3.3.7. A Política
A política aristotélica é essencialmente unida à moral, porque o fim último do estado é a virtude, isto é, a formação moral dos cidadãos e o conjunto dos meios necessários para isso. O estado é um organismo moral, condição e complemento da atividade moral individual, e fundamento primeiro da suprema atividade contemplativa. A política, contudo, é distinta da moral, porquanto esta tem como objetivo o indivíduo, aquela a coletividade. A ética é a doutrina moral individual, a política é a doutrina moral social. Desta ciência trata Aristóteles precisamente na Política, de que acima se falou.
O estado, então, é superior ao indivíduo, porquanto a coletividade é superior ao indivíduo, o bem comum superior ao bem particular. Unicamente no estado efetua-se a satisfação de todas as necessidades, pois o homem, sendo naturalmente animal social, político, não pode realizar a sua perfeição sem a sociedade do estado.
Visto que o estado se compõe de uma comunidade de famílias, assim como estas se compõem de muitos indivíduos, antes de tratar propriamente do estado será mister falar da família, que precede cronologicamente o estado, como as partes precedem o todo. Segundo Aristóteles, a família compõe-se de quatro elementos: os filhos, a mulher, os bens, os escravos; além, naturalmente, do chefe a que pertence a direção da família. Deve ele guiar os filhos e as mulheres, em razão da imperfeição destes. Deve fazer frutificar seus bens, porquanto a família, além de um fim educativo, tem também um fim econômico. E, como ao estado, é-lhe essencial a propriedade, pois os homens têm necessidades materiais. No entanto, para que a propriedade seja produtora, são necessários instrumentos inanimados e animados; estes últimos seriam os escravos.
3.3.8. A Estética
É sabido que a estética é a filosofia da arte. No entanto, de que estética se pode falar no atual contexto mundial? Na Antiguidade Clássica, a arte possuía padrões bem definidos. Hoje não é bem assim. A arte passou a ser conceito. O caminhar na areia da praia ou os furos ordenados em uma parede de alvenaria ou outras demonstrações insólitas do fazer humano, tornou-se arte para os padrões atuais.
A arte como imitação da natureza ficou em algum lugar do passado. O que teria acontecido? Por que ocorreu essa mudança na questão da apreciação estética? Muito já se especulou, mas, aparentemente a falta de tempo da vida moderna fez com que a contemplação da natureza ficasse em segundo plano. Agora só se podem apreciar as coisas efêmeras, como uma escultura na areia, ou o resultado da arte virtual, que não possui concretude, mas causa um bom efeito visual.
Em outros tempos, pensava-se em arte com propósitos nobres, propósitos educacionais e morais. Na atualidade, prefere-se o imediatismo de uma arte sem substância, que não educa, mas também não incomoda um sistema voltado ao material, ao fim do século, ao vazio.

BIBLIOGRAFIA

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